Descrição de chapéu Guia das profissões

Pandemia valoriza carreira de enfermagem, mas sobrecarrega profissionais

Crise abre portas para discussões sobre investimentos no setor, aumento do piso salarial e reformulação do currículo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Durante os últimos meses, os profissionais de enfermagem enfrentaram hospitais superlotados e uma doença desconhecida.

O protagonismo na luta contra o novo coronavírus trouxe à tona antigos problemas da área, como a sobrecarga dos profissionais e o desgaste das equipes. Também jogou luz na necessidade de investimento e especialização no setor, abrindo portas para discussões que vão desde o aumento do piso salarial até a reformulação do currículo.

Para o primeiro secretário do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), Antonio Marcos, a pandemia evidenciou problemas que antecedem a crise sanitária, entre eles o desinteresse dos hospitais em contratar mais profissionais da área, a falta de concursos públicos e as más condições de trabalho nas periferias e no interior do Brasil.

"O que já era difícil ficou mais difícil ainda", diz Marcos. "Houve um aumento de contratações para suprir a lacuna que se apresentou. Mas essa lacuna já existia em situações normais."

A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que até 2030 haja um déficit mundial de 9 milhões de profissionais de enfermagem.

Na tentativa de trazer conscientização sobre o assunto, a organização propôs, em 2019, a campanha Nursing Now, apadrinhada pela duquesa de Cambridge Kate Middleton.

Para Claudia Laselva, representante da Nursing Now na América Latina e diretora da unidade hospitalar do Morumbi do Hospital Albert Einstein, a enfermagem não é uma profissão como as outras, porque "exige muita doação pessoal".

Natália Cavallari, 35, saiu do ensino médio com o objetivo de se tornar fisioterapeuta. Como não passou no vestibular, apostou na segunda opção e fez um curso técnico de enfermagem no hospital Albert Einstein. Depois, começou a trabalhar na instituição e cursou lá mesmo a graduação em enfermagem.

Ela, que sempre trabalhou na área de terapia intensiva, emociona-se ao compartilhar a experiência na linha de frente do combate à Covid-19.

"O hospital parecia uma zona de guerra, eu mal reconhecia os colegas de tantos equipamentos de proteção que usavam", afirma.

A falta de interação com os pares, sobrecarregados com o trabalho e sem poder dividir os momentos de pausa, faz falta para Natália.

O esforço para evitar o contágio se somou às outras dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros, que deles sentiram o impacto na saúde mental. Profissionais relatam episódios de síndrome do pânico, depressão e burnout.

Com a pandemia, as equipes de enfermagem precisaram ter ainda mais sensibilidade no cuidado do paciente.

"A crise exigiu uma atenção que vai além do ponto de vista técnico. Foi necessário o cuidado humano, o suporte emocional", afirma Laselva.

A pressão foi ainda maior porque alguns enfermeiros se isolaram de suas famílias e deixaram os filhos com avós, por medo de contágio.

Natália, que tem filhos pequenos, afrouxou as medidas de segurança com o passar do tempo. "No início da pandemia, eu ficava de máscara em casa", afirma.

Para Andréa Mohallem, coordenadora do curso de enfermagem do Einstein, os desafios da pandemia empolgaram os alunos. "Percebi que houve uma reafirmação da escolha pela profissão", diz.

Se, por um lado, profissionais de enfermagem na linha de frente contra a Covid-19 sentiram uma sobrecarga de trabalho, aqueles que atuam em setores que não passam pela emergência se preocuparam com outros aspectos: a saúde básica.

Elaine Silva, 46, é técnica de enfermagem da rede pública desde 1993 e divide o tempo entre a vacinação em ambulatório e o trabalho como auxiliar no hospital maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste de São Paulo.

Ela sentiu os impactos da pandemia no cotidiano, não só pelas medidas de segurança, mas também pela redução drástica de pessoas em busca de vacinação.

"É um problema grande porque há outras doenças e riscos, principalmente para crianças. Os pais ficam com medo de contaminar os filhos no trajeto para o ambulatório e nisso acabam abrindo espaço para as outras doenças", diz.

Para ela, a revalorização da área de enfermagem com a pandemia é passageira.

"Antes da quarentena, o pessoal da enfermagem era tratado como serviçal, como se fossem pessoas que não conseguiram cursar medicina e foram fazer enfermagem. E não é essa a realidade."

"Mesmo quando não conseguimos recuperar o paciente, ele pode ter tido uma boa experiência. Às vezes, o resultado não é a cura, mas uma experiência humana, respeitosa", afirma Elaine.

Antônio Marcos, presidente do Cofen, acredita que a valorização da carreira pode perdurar se os enfermeiros forem capazes de ter uma articulação maior entre si, inclusive na política.

Laselva, representante do Nursing Now, vê na pandemia uma chance de estreitar os laços entre os profissionais e os pacientes.

"A gente até diz que o médico é o que traz o paciente pro hospital, mas é a enfermagem que faz ele voltar para casa", afirma.

Hoje, a maior área de atuação para enfermeiros é na assistência ao paciente, mas os ramos de pesquisa, ensino e gestão —focado em formulação e planejamento de ações de saúde— estão crescendo, inclusive por meio da oferta de pós-graduações.

Segundo o presidente do Cofen, a graduação de enfermagem é pensada para formar um profissional capaz de atuar de forma generalista. As especializações, disponíveis em mais de 50 áreas, vêm, então, como um diferencial no mercado de trabalho.

A vasta oferta não muda, porém, o ponto principal da profissão: lidar com pessoas. Para Laselva, gostar de gente, gostar de cuidar e ter empatia são pontos essenciais para o trabalho. "Empatia é uma habilidade que se aprende", afirma.

*

TÉCNICO EM ENFERMAGEM

Formação Curso técnico em enfermagem, com duração de 2 anos

Salário inicial R$ 3.700 (SP)

Onde estudar Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, Senac, Centro Universitário São Camilo, Uninove, Hospital Alemão Oswaldo Cruz (curso técnico em enfermagem)

GERENTE DE ENFERMAGEM

Formação Graduação em enfermagem, pós-graduação e MBAs em gestão de saúde

Salário inicial R$ 8.000 em SP

Onde estudar­ Universidade São Camilo (pós em gerenciamento e liderança em enfermagem), Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (especialização em gestão), USP (MBA em gestão da saúde), Centro Universitário de Saúde do ABC (MBA em gestão de pessoas nas organizações corporativas e na saúde)

ENFERMEIRO

Formação Graduação em enfermagem, pode fazer pós em áreas como obstetrícia, saúde da mulher, atenção básica, cardiologia

Salário inicial R$ 4.000 em SP

Onde estudar PUC, USP, Centro Universitário São Camilo, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (graduação em enfermagem)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.