Contratação de estagiários negros cresce, mas desafios persistem

Jovens tem baixa sensação de pertencimento nas empresas, mesmo com aumento de 235% das oportunidades

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São Paulo

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Tema da semana: os desafios dos estagiários negros

"Por mais que tenhamos muito conhecimento, o diploma não abre portas para nós. Podemos ter qualquer curso ou falar inglês fluente, sempre temos que provar mais do que uma pessoa branca".

Esse é um desafio apontado pelo Heitor Medeiros, 23, estagiário da área de diversidade e inclusão no Grupo Pão de Açúcar. Ele entrou na companhia em abril deste ano por meio do programa de estágio com vagas exclusivas para negros.

Marina / Adobe Stock

E não para por aí...

  • Segundo um estudo do Google com a Cia de Talentos, 49% dos estagiários negros não recebem apoio do RH e 39% discordam da frase "meu chefe me dá suporte em questões emocionais relacionadas ao trabalho".
    • A pesquisa ouviu 2.182 pessoas, entre elas estagiários negros, estagiários brancos e líderes de diversidade.
  • Para Felipe Carmo, 22, estagiário na Ball Corporation, é necessário cumprir mais requisitos para ser selecionado para um emprego. "Você precisa ter algo a mais para competir com pessoas mais privilegiadas".
    • Felipe entrou na empresa por meio de um programa de estágio que tinha foco em contratar mulheres, LGBTQIA+, negros, pessoas com deficiência e jovens de baixa renda.


A aparência é parte dessa exigência sofrida pelos jovens negros. Isso pode ser observado também em consultas médicas. Reportagem da Folha mostra que ambos os cenários prejudicam a atenção básica para a saúde mental dessa população.

Na tentativa de maior inserção dos jovens universitários negros e diversidade no quadro de funcionários, algumas companhias abriram mão de requisitos como conhecimento em inglês, caso do programa de estágio da Ball Corporation.

Para Alexon Fernandes, especialista em diversidade e inclusão, se as empresas querem oferecer oportunidades aos jovens negros universitários, é necessário que se faça escolhas em relação aos requisitos da vaga: se exigir conhecimento em inglês ou Excel, por exemplo.

Por que? Um jovem negro de 18 anos que trabalha e entrou na universidade pode não conseguir achar tempo para aulas de inglês. Esse jovem não terá o mesmo nível de inglês de um estudante que estuda o idioma desde pequeno, explica Fernandes.

  • "Isso acontece com todos os negros? Não, mas com a maioria. A pobreza no Brasil tem cor", complementa.


A maior diferença está no nível de inglês avançado, alcançado por 26% dos candidatos negros e 44% dos brancos, mostra estudo da Companhia de Estágio, que ouviu 5.402 universitários negros empregados entre 2018 e 2021.

Sem essa exigência, as habilidades comportamentais entram em primeiro plano:

  • Inteligência emocional. Para lidar com a abundância de informações e com os desafios do dia a dia.
  • Saber se comunicar. Isso não é só falar, mas saber ouvir e ser entendido pela outra pessoa.
  • Estar alinhado com a cultura e valores da empresa.
  • Saber trabalhar em grupo e saber ouvir feedbacks.
  • Requisitos como vontade de aprender, energia, visão de liderança e colaboração são essenciais no processo seletivo, afirma Maria Gabriela Herrera, diretora de RH da fabricante de bebidas Diageo. A companhia já fez três programas de estágios exclusivos para negros.


Já estamos vendo mudanças? Estudo da Companhia de Estágio também indica que a contratação de estagiários negros no Brasil aumentou 235%.

Quais fatores causaram esse crescimento?

  • A Lei de Cotas em universidades públicas. "Sem políticas públicas, as pessoas pretas não estariam nem concorrendo a estágios", diz Ana Minuto, CEO e fundadora da Minuto Consultoria Empresarial & Carreira, companhia focada em impulsionar o protagonismo das pessoas negras no mercado.
    • Falando nisso... O resultado da lei está aparecendo só agora, depois de dez anos da sua implementação.
    • Fernandes explica que houve um longo caminho até os resultados da política, porque levou um tempo até todas as universidades adotarem o sistema de cotas e todas as pessoas acessarem essas vagas.
  • A criação de programas de estágio com foco em contratar jovens negros universitários.
  • Empresas preocupadas em trabalhar a diversidade dentro da companhia.


O estudo da Companhia de Estágio também aponta as áreas que mais contratam estagiários negros:

Finanças, engenharias (processos, obras), atendimento ao cliente, marketing, manutenção, jurídico, facilities e comunicação. Segundo Rafael Pinheiro, diretor comercial da Companhia de Estágios, são os segmentos que mais têm volume de vagas e demandam profissionais.

Mas, depois do período de encerramento do estágio, esses jovens são contratados? Qual o nível de aproveitamento desses profissionais? Há algum plano de desenvolvimento e de ascensão desse jovem na companhia?

É preciso que esse crescimento de contratações também se reflita nas efetivações e retenção desses estagiários.

  • "Muito mais do que trazer negros, é fazer com que eles se sintam pertecentes nestes ambientes. Como eu faço isso? Com conhecimento sobre consciência racial e desigualdade social. Muito mais do que contratar estagiários negros, é ter líderes e gestores negros para conduzir melhorias", diz Minuto.


Dica bônus: como saber se a empresa que estou me candidatando é diversa?

Fernandes dá algumas dicas: veja como são os processos de entradas de profissionais, como eles são avaliados, quais são as metas e indicadores de diversidade, como é a comunicação interna, se existe ações antirracistas e se a liderança é diversa.

Para ficar de olho. Veja quais empresas estão com inscrições abertas para programas de estágio com foco em contratar jovens universitários negros na seção Encontre sua vaga.


Vida de estagiário

Jovem negra conta dificuldades no mercado de trabalho.

Amanda Santana - newsletter Folha Carreiras
Amanda Santana, 32, estagiária de TI na Vivo. Ela entrou na companhia neste ano por meio do programa de estágio que tinha metade das vagas para jovens universitários negros - Divulgação

Quais desafios já enfrentou no mercado de trabalho por ser negra?

"Houve casos em que cheguei para fazer entrevista e me senti desconfortável com o ambiente. Ou ainda situações em que não aceitaram meu cabelo crespo ou não me deixaram usar tranças afro para trabalhar. Senti que não me encaixava em alguns lugares".

Qual a importância desses programas de estágio para sua carreira?

"Programas como o da Vivo são uma porta de entrada para jovens negros como eu, que podem ter dificuldades de se inserir no mercado devido ao racismo estrutural. Nós possuímos grande potencial, mas às vezes precisamos de um pontapé inicial na nossa carreira para alcançar sucesso profissional. O programa tem sido de grande importância para minha carreira. Por meio dele, tenho aprendido muito e me conectado profissionalmente com pessoas e mentores dentro da companhia".


Não fique sem saber

Explicamos dois assuntos do noticiário para você.

Dia da Consciência Negra

  • Entrevista: Taís Araujo fala para a Folha sobre sua experiência gerenciando a própria carreira e sua visão sobre o mercado publicitário. "Uma negra que não seja pessoa pública vai ter mais dificuldades que eu", diz.

Somos 8 bilhões no mundo

Para refletir sobre os desafios e os avanços do mundo com 8 bilhões de habitantes, a Folha fez uma série de reportagens sobre o assunto. Segue o fio:

Antes, é importante saber: A ONU estimou que o mundo alcançou essa marca na terça (15). Mas especialistas avaliam ser improvável que o número seja atingido exatamente neste dia, neste mês e quem dirá neste ano.

  • Mundo com 8 bilhões será mais religioso... e o islamismo crescerá mais rapidamente do que qualquer outra das grandes religiões. "A principal razão para essa tendência é a dinâmica demográfica: os muçulmanos têm populações mais jovens e mais filhos por mulher do que qualquer outro grande grupo religioso", explica o diretor-associado do Pew Research Center, Conrad Hackett.
  • Opinião: Ásia, América Latina e África têm a chance de maximizar seu capital humano futuro, escreve a colunista da Folha Marcia Castro.
  • Análise: para o médico gerontólogo Alexandre Kalache, mundo com 8 bilhões é, sobretudo, mais envelhecido e desafiador.
  • A Folha preparou uma série de gráficos e mapas sobre o assunto; veja.
  • Encontre outros assuntos da série 8 bilhões no mundo aqui.

Encontre sua vaga -> Veja oportunidades de emprego para estágio, trainee ou efetivo aqui.

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