Escassez e preço de materiais de construção freiam reformas

Desabastecimento é resultado de paralisações de indústrias na pandemia

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São Paulo

O consumidor que encontrou na pandemia fôlego para reformar a casa está sendo frustrado pela falta de produtos, aumento expressivo de preços e dilatação de prazos de entregas.

O desabastecimento é consequência de um descompasso na indústria da construção civil, que teve a produção comprometida principalmente nos primeiros meses da pandemia. Fábricas de cimento e de aço, por exemplo, tiveram de parar as máquinas, e as atividades ainda não retornaram ao patamar anterior à crise.

Mais de um ano após a primeira morte por Covid-19 no Brasil, fornecedores de materiais de construção ainda trabalham com estoque reduzido.

André Carotenuto teve de brecar obra em casa, no Limão, em São Paulo
André Carotenuto teve de brecar obra em casa, no Limão, em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

A quebra na cadeia produtiva prejudicou o setor, que sofre dificuldades para dar conta da demanda, tanto para pequenos reparos quanto para grandes empreendimentos.

“Foi criada a condição perfeita para ter inflação de demanda”, afirma Geraldo Defalco, presidente da Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção). “No início da pandemia, a indústria tirou o pé. Em contrapartida, com todo mundo vivendo os problemas da casa, com o auxílio emergencial e os juros baixos, houve forte demanda.”

No início do ano, o administrador André Carotenuto, 46, decidiu ampliar o seu imóvel localizado no bairro do Limão, na zona norte de São Paulo. Ele não imaginava que teria tanta dor de cabeça.

Carotenuto gastou sola do sapato, mas não encontrou as ferragens para firmar a laje. Só conseguiu achar os vergalhões de que precisava na internet e levou um susto: o fornecedor informou que o preço do material estava 130% mais alto do que há cinco meses.

O administrador fez apenas a primeira parte da obra, mas, diante da escassez e encarecimento dos produtos, teve de adiar a conclusão da reforma e ainda não sabe quando vai retomá-la. “Percebi aumento do preço de tudo que é relacionado a aço e metal. Uma caixa com parafusos, por exemplo, foi de R$ 70 para R$ 130 em apenas uma semana”, afirma Carotenuto.

Em 12 meses, os preços dos fios de cobre, do aço e do cimento tiveram reajustes de 51,2%, 45,7% e 37,4%, respectivamente. Os números são do levantamento do Custo Unitário Básico, calculado pela Fundação Getulio Vargas e divulgados pelo SindusCon-SP (Sindicado da Construção Civil) no início de março.

A escassez de material e de equipamentos é motivo de preocupação para o setor que, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, projetava no início do ano crescimento de 4% no PIB em 2021.

De 659 empresas que responderam pesquisa do Índice de Confiança da Construção, 13,6% indicaram a falta de material como fator limitante.

“É um número alto uma vez que, um mês antes da pandemia, esse item foi assinalado por apenas 2% das empresas”, afirma Ana Castelo, coordenadora de Projetos de Construção da FGV/Ibre, responsável pelo levantamento.

Divulgado na quinta-feira (25) o Índice de Confiança da Construção recuou, no geral, 3,2 pontos neste mês, chegando a 88,8 pontos, menor nível registrado desde agosto do ano passado.

Além do auxílio emergencial, que impulsionou a demanda em um mercado com capacidade produtiva reduzida, o aumento do preço de commodities e o dólar alto também justificam os problemas na produção interna. Nesse cenário, há um estímulo à exportação dos insumos em detrimento do mercado nacional.

Na contramão desse movimento, as taxas de juros mais baixas favorecem o investimento em reformas e compras de imóveis.

“Quando a taxa Selic virou 2% ao ano, nem a poupança valia mais a pena. Com o imóvel sendo ativo seguro o tempo todo, houve corrida de clientes que tinham dinheiro e passaram a construir para vender ou valorizar o patrimônio”, afirma Geraldo Defalco, da Anamaco.

Para o vice-presidente de economia do SindusCon-SP, Eduardo Zaidan, a situação já foi pior. Mas hoje o mercado ainda sofre com a falta de alguns produtos e é obrigado a dilatar prazos de entrega.

“Uma encomenda que antes era entregue em 20 dias passou para 90 dias. Temos de nos planejar com muito mais antecedência”, afirma Zaidan.

No cenário de escassez, os micros e pequenos comerciantes são os que mais sofrem. Isso porque eles têm estoque reduzido, capital de giro mais enxuto e uma menor rede de fornecedores, segundo Bruno Silva, fundador da Intec Brasil, que monitora obras em andamento pelo país.

No ano passado, segundo dados da empresa, houve crescimento de 23% no número de obras acima de R$ 1 milhão feitas por construtoras em relação a 2019. “A normalização do setor está atrelada à melhora da pandemia. Uma vez estabilizado o abre e fecha das cidades e empresas, haverá melhor organização da logística e da distribuição dos produtos”, afirma Silva.

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