Sem iPhone para lançar, Apple se volta a acessórios e vestíveis

Por causa da pandemia, pela 1ª vez em quase uma década smartphone fica fora dos anúncios de setembro

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Patrick McGee Tim Bradshaw
San Francisco e Londres

Os eventos mais memoráveis da Apple sempre terminaram com “e mais uma coisa” —o famoso enunciado de Steve Jobs para revelar um novo produto de surpresa.

O lançamento de produtos da companhia nesta semana terá algo a menos, porém.

Pela primeira vez em quase uma década, o principal evento anual da empresa, em setembro, deixará de incluir seu mais famoso e lucrativo produto, depois de o lançamento do esperado iPhone com 5G ser adiado para outubro devido a desordens na cadeia de suprimento causadas pela pandemia do coronavírus.

Apple Watch, cuja 6ª geração deve ser apresentada na terça (15)
Apple Watch, cuja 6ª geração deve ser apresentada na terça (15) -  Justin Sullivan - 10.set.19/Getty Images/AFP

Em lugar disso, o evento de terça-feira (15), intitulado “Time Flies”, terá como destaque a linha de acessórios da empresa e outros hardwares, entre os quais a sexta geração do Apple Watch, um novo iPad Air, possivelmente fones de ouvido que cobrem as orelhas chamados AirPods Studio e um sistema que rastreia objetos perdidos e aparentemente leva o nome AirTags.

“O oxigênio que esses produtos receberão não terá precedentes”, disse Ben Wood, analista da CCS Insight. “Eles serão a história principal, e não o acompanhamento.”

A ausência do iPhone 12 criou uma oportunidade para que a Apple demonstre ao público aquilo que Wall Street já reconheceu: que deixou de depender do smartphone e agora conta com uma carteira de produtos cada vez mais diversificada.

No ano fiscal que se encerra neste mês, a Apple deve registrar receita de US$ 274 bilhões e lucro de US$ 57 bilhões —avanços de apenas 17% e 7%, respectivamente, sobre os US$ 234 bilhões e US$ 53,3 bilhões registrados em 2015.

Embora o crescimento pareça lento, as ações da Apple quadruplicaram de valor, e a capitalização de mercado ultrapassou os US$ 2 trilhões —uma discrepância que reflete um avanço em direção a se tornar “uma plataforma de tecnologia ou de consumo, em lugar de uma empresa de hardware, mais cíclica”, como definiu a analista Katy Huberty, do Morgan Stanley, em nota de pesquisa a clientes.

“Tenho certeza de que eles direcionarão uma narrativa que girará mais em torno de um evento de serviços e vestíveis e promoverão o valor dos produtos não relacionados ao iPhone”, disse Ben Bajarin, analista da Creative Strategies.

Com as vendas do iPhone deixando de ser a força propulsora que um dia foram para a empresa, outras áreas vêm ganhando importância em seus negócios. Nos últimos cinco anos, a receita com o iPhone caiu 16% —responderam por 44% das vendas totais da Apple no trimestre passado, ante 63%.

Mas as divisões de acessórios e produtos vestíveis dispararam, conduzidas pelo sucesso do Apple Watch e dos AirPods, com crescimento de 144%, para US$ 6,45 bilhões. A receita da divisão iPad subiu 45%, para US$ 6,45 bilhões, e a de serviços, 162%, para US$ 13,2 bilhões.

O evento da terça-feira é uma oportunidade para que a Apple destaque as muitas maneiras pelas quais está promovendo crescimento entre os quase 1 bilhão de usuários do iPhone, mantendo-os no ambiente fechado da empresa por meio de produtos adicionais que ajudam a ampliar a receita e a elevar os lucros em um ano morno para as vendas de smartphones.

Para cada 100 iPhones vendidos, a Apple embarca 49 AirPods e 14 Apple Watches, de acordo com estimativas da Canalys. Em contraste, para cada 100 smartphones Galaxy S, o principal modelo da Samsung, ela embarca 34 Galaxy Buds e 14 relógios.

Os aparelhos da Apple além disso registram margens de lucro mais altas. Por exemplo, a Samsung vende, nos Estados Unidos, o Galaxy Bud por US$ 85 (R$ 453), e a versão Plus, por US$ 140 (R$ 746); já o AirPod custa US$ 134 (R$ 714), e a versão Pro, US$ 229 (R$ 1.220).

No mercado mundial de relógios inteligentes, a Apple detinha 40% de participação no segundo trimestre, o dobro da fatia de sua concorrente mais próxima, a Huawei, de acordo com a Canalys.

Enquanto isso, uma nova adição à sua linha de serviços poderia ser uma assinatura integrada de música, vídeo, jogos, notícias e mais, que pode receber o nome de “Apple One”.

Os observadores mais otimistas acreditam que o crescimento esteja apenas começando. Gene Munster, da Loup Ventures, estima que apenas 9% dos usuários do iPhone já tenham Apple Watches —cerca de 100 milhões de pessoas— e projeta que essa proporção possa subir a 50% nos próximos dez anos, o que implicaria vendas de 50 milhões de unidades ao ano.

Na categoria de fones de ouvido “true wireless”, a participação da Apple era de 38% do mercado no segundo trimestre, quatro vezes maior que a rival mais próxima, a Xiaomi, segundo a Canalys.

Jason Low, analista da Canalys, aponta que a Apple poderá continuar a expandir suas vendas porque apenas começou a crescer no mercado de “áudio espacial” —uma forma de gerar som imersivo e “surround” por meio dos sensores do AirPods.

Ele disse que a expectativa era que em breve os fones de ouvido Apple pudessem “aproveitar o processador” do iPhone para expandir suas capacidades, explorando uma integração de hardware que os rivais tradicionais da empresa, como a Bose, podem não ser capazes de propiciar.

“Ter interação direta com o smartphone cria essa vantagem e oportunidade de integração primária mais lisa e direta, o que é uma grande barreira para as marcas externas.”

O atraso no lançamento do iPhone 12 pode ainda assim prejudicar as vendas do Apple Watch, iPad Air e outros aparelhos que devem ser revelados, disse Bajarin, da Creative Strategies.

“O atraso nas vendas me preocupa, porque as pessoas estão esperando para ver o que o novo iPhone tem a oferecer”, ele disse.

Luca Maestri, vice-presidente de finanças da Apple, alertou os investidores em julho para a possibilidade de de que o lançamento do novo iPhone seria realizado “algumas semanas mais tarde” do que costuma. Mas as ações da empresa mesmo assim bateram recordes de alta.

No entanto, com uma janela de vendas truncada na temporada de festas e a pandemia complicando a situação de transporte e do varejo, a Apple pode ainda estar em risco de descumprir as projeções de Wall Street para suas vendas no quarto trimestre, disse Bajarin.

“Vendas postergadas não são vendas perdidas, e elas devem simplesmente ficar para o primeiro trimestre do ano que vem”, disse, “mas, historicamente, o trimestre das festas é um trimestre de grande receita e um grande trimestre para o iPhone. Isso é um risco.”

Tradução de Paulo Migliacci

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