Agência-barco da Caixa leva atendimento a vilarejos às margens do rio São Francisco

Pouco importa o protetor solar fator 70. A pele urbana vai sentir a intensidade da luz solar do sertão refletida nas águas transparentes do lago que mais parece mar. A temperatura gira na casa dos 38°C. Não existe uma nuvem no céu para testemunhar. A moleza no corpo implora por um refresco.

Acostumado ao calor de rachar o coco do interior baiano, o agricultor Heleno Ferreira da Silva, 59, chega esbanjando energia. Saca sua senha de atendimento bancário, senta-se em uma das 45 cadeiras à disposição da clientela e aguarda ser chamado por um dos seis guichês do banco.

No conforto da refrigeração do ar-condicionado, os termômetros despencam para menos de 19ºC. Heleno escancara um sorriso antes de explicar o motivo de tamanha empolgação. "Estou aqui para abrir a primeira conta em banco da minha família", diz. "É para garantir o futuro dele", aponta o indicador em direção ao filho homônimo.

"Além do clima aqui dentro ser mais agradável, me sinto tranquilo neste ambiente, mais seguro", completa o agricultor, virando os olhos em direção à entrada, vigiada por dois seguranças, postados um de cada lado da porta do barco.

Sim, está certo, "barco"! O local ao qual Heleno se refere é a Agência-Barco Rio São Francisco da Caixa. Naquela manhã ensolarada de uma segunda-feira, estava atracada próxima à barragem do lago de Sobradinho (BA), a cerca de 20 km de Santa Rita, distrito de Casa Nova, onde os Helenos vivem da fruticultura -nesta temporada, especificamente, da uva.

Antes da agência-barco chegar, parte da população ribeirinha precisava se deslocar muitas vezes até 200 km para ter acesso a serviços bancários, diz a Caixa.

Sem movimentar dinheiro vivo, essa agência fluvial trabalha com seis funcionários, que atendem ao público de cidades localizadas às margens do Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais da América Latina, diz a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco).

O lago da Usina de Sobradinho começou a ser construído em junho de 1973. Em novembro de 79, passou a operar.

Com 320 km de extensão, a superfície de seu espelho d'água possui 4.214 km², informa a companhia.

Se levarmos em consideração o volume atual de água, o reservatório poderia atender ao abastecimento de uma metrópole como São Paulo por aproximadamente 25 anos, diz ainda a Chesf.

Sobradinho ganhou fama nacional no fim dos anos 1970 graças à canção da dupla Sá e Guarabyra. Um dos trechos da letra anunciava: "E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o sertão ia alagar; o sertão vai virar mar... Dá no coração. O medo que algum dia o mar também vire sertão..."

Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Sobradinho, citadas na canção da dupla mezzo carioca, mezzo baiana, estão entre os municípios atendidos pela agência-barco da Caixa.

Ao todo, as sete cidades que estão próximas ao lago abrigam uma população estimada em cerca de 260 mil habitantes, de acordo com números do IBGE.

Ao navegar pelas águas mansas desse marzão do sertão, a agência-barco, construída em estilo ferry boat, chega a passar por áreas com profundidade superior a 60 metros.

"Um dos problemas é na hora de atracar", explica o gerente da agência, Osvaldo de Souza Neto, 33. "Além de muitas localidades não terem estrutura portuária, o volume de água no lago oscila muito", conta.

Então, ele exemplifica: "Em menos de dez meses, pode cair de 45% para 2%". A embarcação, contudo, consegue navegar em uma profundidade mínima de 1,5 metro. Independentemente das barreiras encontradas pelo caminho, a proposta da Caixa com o barco, que custa R$ 200 mil mensais, é levar serviço bancário para brasileiros que vivem à margem desse sistema.

Atualmente, quase 80% dos atendimentos da agência-barco São Francisco são voltados a programas sociais, como Bolsa Família, FGTS, PIS e seguros desemprego e defeso -benefício destinado a quem fica impossibilitado de trabalhar nos meses em que a pesca para fins comerciais é proibida devido à reprodução dos peixes.

O barco dispõe ainda de quatro salas para parcerias nas áreas de saúde e educação ou de apoio a pequenas empresas.

Trinta dias antes de a agência-barco atracar no município, lotéricas, prefeituras, rádios comunitárias e colônias de pescadores são avisadas sobre a chegada.

Em média, 500 pessoas são atendidas durante cada ciclo de funcionamento, completados após 20 dias de trabalho.

A maioria dos clientes é formada por trabalhadores rurais, com idade entre 30 e 60 anos. Até o começo deste mês de outubro, mais de 2.000 contas de poupança tinham sido abertas naquele barco do Velho Chico.

Uma delas foi a de Heleno pai para Heleno filho. Pela janela da embarcação, o garoto de 18 anos recém-completados mirava a imensidão do sertão que virou mar e traçava seus planos para o futuro.

"Esse dinheiro é para comprar um terreno e construir a nossa casa", dizia ele. Confiante, falou mais um bocadinho: "A uva que nasce no semiárido do rio São Francisco pode até dar fruta três vezes ao ano, mas só Deus é quem sabe até quando vai ter água nesse pedaço do sertão." "Melhor, então", concluiu, "é guardar!"

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AGÊNCIA BARCO RIO SÃO FRANCISCO

Comprimento: 37,5 m
Largura: 13,5 m
Altura: 19 m
Pisos: 3
Peso: 54 toneladas
Tripulantes: 15
Funcionários: 6
Guichês: 6
Navegação: profundidade de 1,5 m a 61,8 m
Região atendida: Casa Nova, Remanso, Sento Sé e Sobradinho (Bahia)
Horário de atendimento: das 9h às 14h
Serviços oferecidos:
80% são atendimentos sociais (FGTS, Seguro Defeso, Bolsa Família, PIS e Seguro Desemprego), além de abertura de contas e créditos
Não trabalha com dinheiro
Custo mensal: R$ 200 mil

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