Naturalmente isolada, Moreré é o paraíso baiano do distanciamento social

Regida pela maré e vetada para carros, vila de pescadores na ilha de Boipeba (BA) tem muita areia e pouca gente

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Turistas em piscinas naturais na praia de Moreré, na ilha de Boipeba (BA)

Turistas em piscinas naturais na praia de Moreré, na ilha de Boipeba (BA) Débora Yuri/Folhapress

Débora Yuri
Cairu (BA)

Famosa entre viajantes com pouco apreço por destinos de massa, a baiana Boipeba concentra seu movimento na maior vila da ilha, Velha Boipeba. Mas o cenário de sonho tropical, sobretudo em tempos de pandemia, está no povoado de pescadores 7 km adiante.

Ainda mais remota e erma, Moreré é ideal para quem deseja desconfinar junto ao mar em segurança. Naturalmente isolada, imersa em mata atlântica preservada, tudo ali acontece ao ar livre.

Os 24 meios de hospedagem, todos pé na areia e distantes entre si, oferecem a experiência de dormir e acordar em uma praia praticamente vazia (leve lanterna ou use a do celular quando sair à noite).

E a praia de Moreré é a melhor da ilha. São 3 km de mar verde e areia branca, amendoeiras e coqueirais, em um traçado recortado, enfeitado por curvas.

Na maré baixa, formam-se piscinas naturais que abrigam recifes de corais e cardumes coloridos. Na alta, a água permanece calma, quente e cristalina. Em ambas, pratica-se o distanciamento social com o modo idílico ligado.

O uso de máscaras durante todo o transporte até o destino final, nas ruas, hospedagens e nos comércios ajuda a evitar a transmissão da doença entre turistas e nativos. ​

Em linha reta, 90 km separam Salvador da ilha de Boipeba, que faz parte de Cairu —casa do Sol, em tupi. Um dos raros municípios-arquipélago do Brasil, a cidade surgiu no século 16, durante o povoamento da capitania de Ilhéus.

Chegar é um perrengue, a não ser que se desembolsem ao menos R$ 850 por cabeça num avião monomotor a partir da capital. Quem gosta de fazer roteiros independentes vai precisar de balsa, ônibus, lancha e uma última conexão ou caminhada pesada.

A dificuldade de acesso, no entanto, ajuda a manter o destino livre das multidões.

Em 2019, enquanto Morro de São Paulo atraiu 400 mil visitantes, Boipeba recebeu 17 mil, uma média de 1.400 por mês, segundo a Secretaria de Turismo de Cairu. Carros não entram em Boipeba, declarada Área de Proteção Ambiental em 1992. Quando não se usam as próprias pernas, o transporte ocorre em canoas, barcos, lanchas, cavalos e charretes.

Também há jardineiras puxadas por tratores (R$ 10 por passageiro) e quadriciclos (R$ 25) que conectam a vila de Velha Boipeba, com 3.900 moradores, à de Moreré, com 600 habitantes. A distância de 7 km, citada no início deste texto, é percorrida em cerca de 20 minutos.

Tamanho isolamento geográfico conserva o clima de retiro utópico no pequeno povoado. Uma vez instalado, sua atividade mais complexa será estudar a tábua das marés, que dita o ritmo local.

Reserve tempo para curtir a natureza quase intocada da praia de Moreré, que já foi chamada de Polinésia Francesa brasileira e figura em muitos rankings das mais bonitas do país.

Barqueiros e lancheiros levam às piscinas naturais na maré baixa (R$ 30 por pessoa com Santoario, tel. 75 9859-4078). Embora seja importante acompanhar a tábua para apreciar a atração em seu auge, tente sair, no máximo, às 9h. Assim, dá para fugir dos passeios que vêm de Velha Boipeba e do Morro.

Caminhar pela ilha, que soma um total de 20 km de praias, é outra grande pedida. Olhando para o mar, à direita de Moreré, ficam aquelas com densidade demográfica ainda mais baixa, como Bainema e Ponta dos Castelhanos.

Você só vai ouvir o barulho da água e avistar silhuetas humanas em longas etapas do percurso. Já a fauna brota de toda parte: aves, aratus, cavalos, cachorros. Com manguezais, riachos e túneis floridos, a trilha até Bainema vale por si só.

À esquerda, areia e mar costumam estar mais frequentados, mas nunca aglomerados. E a maré volta a desempenhar papel decisivo: ao fim de Moreré, o espetacular coqueiral de uma fazenda leva os andarilhos até Cueira e Tassimirim. Ele acaba no rio Oritibe, que só pode ser transposto a pé na baixa. A água engole também, em diversos trechos, a faixa de areia das praias.

Jamais cruze o Oritibe andando se não conseguir enxergar onde pisa —muita gente se machuca feio nos corais. Canoeiros atravessam passantes quando a maré sobe por R$ 5.

Áreas mais difíceis de acessar caminhando podem ser exploradas de lancha no passeio Volta à Ilha (R$ 130 por pessoa buscada em Moreré pelo barqueiro Nido, tel. 75 9808-6962). Variado, o roteiro geralmente inclui duas piscinas naturais e ida à vila de pescadores Cova da Onça para almoçar.

Certifique-se de que haverá paradas na Ponta dos Castelhanos, a praia mais isolada de Boipeba —conhecida também pelos pastéis de lagosta, siri e polvo de suas barracas de palha (a partir de R$ 20)—, e no Portal das Ostras, balsa ancorada no rio do Inferno que virou bar flutuante em Tapuias.

Criadas na própria comunidade, ostras frescas (R$ 25 a dúzia) chegam às mesas com o drinque típico número 1, a caipirosca de cacau com biribiri (pequeno fruto verde e azedo; R$ 20). Visto do deque, o pôr do sol é para ficar guardado na memória.

Já caiaque e o stand up paddle são os meios de transporte do passeio mais surpreendente, oferecido pela Ecomar (R$ 120 e R$ 140, respectivamente).

Os remadores percorrem túneis do mangue e contemplam o sol caindo em outro ponto marcante do rio do Inferno —reza a lenda que ali as embarcações dos portugueses encalhavam no canal e eram atacadas pelos índios canibais aimorés.

Quando escurece, podem-se observar os plânctons bioluminescentes, que deixam as águas dos manguezais brilhantes sob o céu estrelado.

A saída é da Boca da Barra, praia colada a Velha Boipeba. Como estará por lá, não perca os sorvetes artesanais do Picolé da Ilha, em sabores como chocolate da Bahia, café e mangaba (duas bolas, R$ 16).

Em Moreré, a melhor barraca para ver a vida passar é a Amendoeiras, com palhoças rentes ao mar. Ao som de boa música brasileira em volume baixo, a cozinha familiar prepara delícias da gastronomia local: lagosta na manteiga (R$ 140), lambretas (moluscos do mangue; R$ 26 a porção) e guaiamuns (caranguejos azulados; R$ 15 a unidade).

Também com vista privilegiada, o Brisa e Mar faz polvo ao vinagrete (R$ 70), moqueca de camarão com banana-da-terra (R$ 110) e suco de cacau (R$ 10 a jarra). Fica no trecho mais ocupado da praia à noite, ao lado do quiosque de drinques do Giba e da janelinha do Lunna Lanches.

Vez ou outra, o feixe de luz de uma lanterna surge no horizonte, sinal de gente procurando o que comer ou escolhendo um pedaço de areia.

Mais renovador de axé que isso, só acordar de manhãzinha, pisar na praia e descobrir que a única companhia para ver o nascer do sol é um vira-lata.

Lua e maré regem paisagem

Ao planejar o desconfinamento perfeito, anote: em Moreré, ele será realmente ideal nas luas cheia e nova, épocas que registram as melhores marés para aproveitar suas piscinas naturais.

Para agendar a viagem, acesse marinha.mil.br/chm/tabuas-de-mare ou climatempo.com.br/tabua-de-mares, escolha um porto próximo e procure dias em que o nível da maré estará abaixo de 0,5 m no meio da manhã.

Quanto mais perto de 0,0 m, melhor. A paleta de cores da água nas piscinas só fará jus à Polinésia Francesa nesses períodos —e com a incidência do sol.

Adeptos do turismo de isolamento devem evitar a alta temporada de verão, quando a ilha recebe mais visitantes. A Pousada dos Ventos tem bangalôs com diária para dois a partir de R$ 338. Inclui café da manhã, servido na varanda privativa.

No meio da mata atlântica, suas cabanas permitem distanciamento dos outros hóspedes, mesma proposta do Canto do Moreré, que aluga casas equipadas partindo de R$ 250 por dia. No camping Airumã, a diária custa R$ 45.

A aventura de chegar ao vilarejo por conta própria dura cerca de sete horas e começa no terminal São Joaquim, em Salvador, com uma balsa que vai até Bom Despacho, na ilha de Itaparica (R$ 5,10 ou R$ 6,70 no fim de semana). A parada é interligada à rodoviária de onde saem ônibus da Cidade Sol para Valença (R$ 32,50).

Peça para descer próximo ao cais e pegue uma lancha rumo a Velha Boipeba —compre a passagem com antecedência, são poucos os horários diários (islandtour.com.br; R$ 45).

Aí vem o último capítulo da odisseia: trator, quadriciclo ou caminhada. O melhor custo-benefício, entretanto, é negociar uma lancha com os barqueiros locais. Juntando quatro passageiros, cada um paga R$ 50.

Quem preferir ter menos canseira pode acertar um transfer da capital baiana a Velha Boipeba, que inclui carros privativos nos trechos terrestres (a partir de R$ 230 por pessoa na Island Tour).

Como não existe atracadouro nem asfalto em Moreré, viaje leve, com mochilão ou mala fácil de carregar na areia. Dinheiro em espécie e máscaras padrão N95 (chamadas de PFF2 no Brasil), para maior proteção em voos e ônibus, são outros bons companheiros.

E conte com imprevistos pelo caminho. O ideal é dormir pelo menos uma noite na ida e outra na volta em Salvador.

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