crítica
Arturito, da chef Paola Carosella, tem cozinha vigorosa e consistente
Algo na história e na cozinha de Paola Carosella, a musa do "MasterChef", me faz lembrar os feitos de Gabrielle Hamilton, do aclamado Prune, de Nova York, cujas memórias estão registradas em "Sangue, Ossos e Manteiga" (ed. Rocco).
Quiçá as lembranças da infância que ambas carregam –e a relação visceral que estabeleceram com a comida. A presença do fogo a céu aberto a assar animais inteiros no jardim de casa, a lenha colhida em um pomar de maçãs ou extraída das videiras para dar sabor aos alimentos, o rio que,
para a argentina, servia de fonte para o avô buscar caracóis e, para a americana, era útil para gelar as bebidas das festas.
Esse repertório deu a Carosella a possibilidade de alcançar maturidade rara na cozinha, que hoje ela expõe em seu restaurante Arturito. (Ela, em carne e osso, pouco aparece no salão.)
Uma cozinha na qual valoriza os ingredientes (sabe suas origens, usa temperos básicos, explora os sabores verdadeiros), lida com calor extremo (fez por merecer a alcunha de "rainha do fogo") e imprime potência aos pratos. ("Sem desejo, não atravessamos nem a rua", diz ela.)
Sente-se essa potência em pratos como o polvo com feijão-manteiguinha (R$ 76). Primeiro na textura do animal. Carosella opta por um ponto mais ousado –que pode parecer duro para alguns–, capaz de preservar as fibras do polvo sem que perca a suculência.
O chamuscado da superfície cria sabores contrastantes que entram em boa sintonia com o aioli, com dedo-de-moça queimada na brasa, em consistência de maionese.
Também surpreende o ojo de bife (R$ 72), submetido ao calor da lenha. O garçom falha ao não perguntar o ponto, mas a carne chega à mesa no auge: rosada, úmida, na qual se afunda os dentes.
Já no peixe do dia (R$ 69), um namorado de boa espessura, que passa por tempo brevíssimo pelo forno a lenha, sente-se delicadeza -e aí capta-se mais uma vez a precisão da técnica para lidar com altíssimas temperaturas.
Suculento, tem uma crosta de folhas de erva-doce (que remetem ao sabor do dill) e é servido com os verdes do dia, feitos de forma simplíssima: na frigideira, com manteiga, azeite e sal.
Valem ainda a berinjela tostada na brasa, de um defumado intenso, os pães fermentados naturalmente, com leve acidez, e os drinques -o suco de tomate que dá base ao bloody mary é feito à mão, ali mesmo.
Para encerrar, o sorvete de doce de leite que acompanha a chef desde os primórdios. O doce de leite caseiro, escuro, com baunilha, com mais leite e gema, passa na máquina para virar sorvete –fica supercremoso, um presente.
Café coado à mesa para um final feliz. A água, no entanto, precisa de mais atenção. Ficou quente demais e queimou a boca na despedida.
Livraria da Folha
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