Detentos servem receitas francesas em restaurante dentro de prisão inglesa
Com suas cadeiras de couro, suas mesas de cristal e seus preços de Londres, The Clink parece ser um restaurante qualquer. Mas os talheres são de plástico, as facas de cozinha estão guardadas a chaves e da janela se vê uma cerca de arame.
Localizado na prisão de Brixton, no sul de Londres, The Clink é aberto ao público, mas está atrás de três portões de segurança, dentro de um pátio rodeado por altas cercas, e seu corpo de funcionários é composto por presos que diariamente atendem até 120 comensais.
"A prisão é a pior experiência da minha vida. Isso me salvou, me manteve são", disse Matt, que está há nove meses trabalhando na cozinha.
Quando estava em liberdade, o detento de 45 anos tinha um negócio de construção. No restaurante, prepara pratos como um peito de pato envolto em gergelim com acelga, vendido por um valor equivalente a R$ 76.
Matt é um dos seis alunos de um "masterclass" do chef Gilles Quillot, o cozinheiro da embaixada francesa em Londres.
"Ficava um pouco nervoso em vir à cadeia, como podem imaginar", disse Quillot, enquanto ensinava a um de seus pupilos como preparar aspargos brancos. "Mas tenho que dizer que os rapazes têm sido fantásticos... Já ofereci trabalho a um ou dois."
A visita de Quillot faz parte do programa "Gout de France" (Sabor da França) realizado na semana que vem para celebrar a cozinha francesa em todo o mundo.
"Ser um bom cozinheiro é fácil: trata-se de desfrutar dando algo aos outros", disse à AFP. "Por isso a cozinha é uma boa ideia para a reabilitação."
The Clink é um dos quatro restaurantes administrados por uma organização sem fins lucrativos que se dedica a gerar emprego a presos, para que possam começar uma nova vida ao sair.
Mas para muitos deles, o programa serve para sobreviver em seu tempo de cárcere.
TALHERES DE PLÁSTICO
Construída em 1819, Brixton é uma das prisões mais antigas do país, e entre seus célebres "hóspedes" estiveram Mick Jagger, que passou uma temporada por lá, em 1967, por envolvimento com drogas, e os gêmeos Kray, os gangsteres mais famosos de Londres.
O diretor da prisão, Giles Mason, diz que o restaurante, aberto em 2014, é "realmente uma parte boa do que fazemos em Brixton", e insiste que não há nenhum risco para a segurança dos clientes.
As mesas têm talheres de plástico escuro, e as facas da cozinha são controladas. Não há álcool e clientes deixam celulares e computadores do lado de fora.
"Aqui você não se sente em uma prisão", disse Mohammed, um garçom de 23 anos.
Outro garçom, Jamie, já esteve em 17 prisões na última década e afirma que servir o público reforçou sua confiança: "Me dei uma segunda oportunidade".
Quillot elogiou a bem equipada cozinha, mas, por outro lado, a antiga prisão tem condições diferentes, muito piores.
"É horrível", diz Lancelot, enquanto faz arancini, os bolinhos de arroz típicos da cozinha siciliana. "Por isso eu gosto de estar aqui, escapo da hostilidade [da prisão]."
Antes de ser preso, o homem de 59 anos tinha seu próprio restaurante, um estabelecimento de comida entregue a domicílio, que servia receitas das Índias Ocidentais.
O curry de cabra era sua especialidade –diz ele que fica com água na boca ao recordar, e olha para Quillot empratando vieiras com favas e chouriço.
Os pupilos se dispõem a provar a receita, mas não Lancelot, que franze a testa. "Isso não é para mim", se justifica.
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