'A tarifa foi o estopim', dizem organizadores de protesto em Curitiba
Em entrevista à Folha, um grupo de organizadores dos protestos pela redução da tarifa de ônibus em Curitiba falou sobre suas motivações, o que espera dos próximos protestos e por que defende a pauta do transporte público.
Para o grupo, que agrega diversas organizações, não tem orientação partidária e se aglutinou na chamada "Frente de Luta pelo Transporte de Curitiba", o aumento da passagem de ônibus foi um "estopim" para as manifestações.
Os ativistas que conversaram com a Folha têm entre 24 e 41 anos. Alguns são filiados a partidos, como o PSTU e o PMDB, e têm atuação sindical.
Outras passeatas estão previstas para esta quinta e sexta-feira, às 18 horas.
Falaram com a Folha a estudante Liz Goes, 24, o produtor cultural André Feiges, 31, o sociólogo Bernardo Pilotto, 29, o bancário André Machado, 31, o advogado Avanilson Araújo, 39, a gestora ambiental Letícia Camargo, 26, e o diretor sindical Giuliano Monn, 41.
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Folha - Vocês esperavam mobilizar tanta gente em Curitiba?
André Machado - Nós já vínhamos mobilizando pessoas pela questão do transporte na cidade desde o início do ano, mas o aumento da passagem em São Paulo fez com que o movimento ganhasse outra proporção. Houve uma nacionalização da questão.
Bernardo Pilotto - Ninguém imaginava ter 30 mil pessoas na rua de uma hora para outra, mas sementes foram plantadas. Há vários movimentos que discutem a tarifa, o passe livre e a mobilidade urbana em Curitiba.
O que vocês defendem?
Letícia Camargo - A pauta principal, nacionalmente, é a redução da tarifa do transporte público. Em Curitiba, nós queremos passagem a R$ 2,60 e domingueira de R$ 1 [hoje, os valores são de R$ 2,85 e R$ 1,50]. Existem várias formas de fazer isso, como a criação de uma empresa pública ou a abertura da caixa-preta do sistema, mas essa é uma discussão paralela. Nós estamos abertos a esse debate. A conquista de agora tem que ser objetiva e clara.
Por que a pauta dos protestos acabou se ampliando tanto, aqui e em outras cidades?
Giuliano Monn - Há uma indignação da população com a maneira como o governo conduz algumas questões no Brasil. São os gastos com a Copa, a falta de investimento em saúde e educação... A tarifa foi o estopim.
Liz Goes - Existe um crescimento econômico propagandeado pelo governo, mas a população não vê os benefícios disso. Em algum momento, essa bomba iria estourar.
André Machado - A passagem de ônibus é aquele serviço público que todo mundo sabe quanto custa. Bate direto no bolso, diariamente. Por isso a questão do transporte é explosiva.
Vocês temem que essa ampliação da pauta descaracterize o movimento?
Avanilson Araújo - É uma preocupação. O central, para nós, é o transporte público. Mas a gente tem que ficar atento. Começou a aparecer [nos protestos], por exemplo, uma pauta de ultradireita. Bolsonaro, defesa do Feliciano, homofobia... Há um descontentamento geral com a situação do país, e isso pode ser capitalizado por setores de ultradireita, que têm se expressado com ataques a organizações sindicais, populares, partidos. Nós nos preocupamos em articular melhor esse processo. É espontâneo, é legítimo, mas é preciso ter claro que rumos a mobilização vai tomar.
André Machado - A gente não abre mão da pauta do transporte. A conquista de 20 centavos em São Paulo ou de 25 em Curitiba é a forma de dizer que a gente não está disposto a abrir mão desse conjunto de direitos sociais que são cada vez mais aviltados na nossa sociedade.
Bernardo Pilotto - É importante que a gente conquiste a redução porque isso ganha corações e mentes para a ideia de que protestar dá certo.
Fala-se muito em Copa do Mundo nos protestos. Por quê?
Bernardo Pilotto - A Copa e o transporte estão diretamente ligados. Foram prometidas diversas obras de mobilidade urbana, e nenhuma está sendo feita.
André Feiges - Nenhuma, não. Algumas estão sendo feitas: as que a população menos utiliza. As que ligam os aeroportos aos estádios. Essas não falharam. Aquelas promessas de transporte coletivo de massa, de ônibus, de trem, ficaram todas em segundo lugar. Os turistas estão tendo prioridade, e não o cidadão.
No protesto da última segunda-feira, houve, no final, uma tentativa de invasão do Palácio Iguaçu [sede do governo estadual]. Quem foram os responsáveis?
André Feiges - É importante dizer o seguinte: numa aglomeração de diversas pessoas, sempre vai haver situações de conflito. Na nossa avaliação, um conflito mínimo, no final do evento, praticamente sem causar dano algum, é um conflito desprezível. A gente manteve uma coesão. Houve uma pequena dissidência.
André Machado - Isso não é o movimento. O movimento não pode pagar por coisas que um, dois ou três fizeram isoladamente.
Mas quem são essas pessoas?
Bernardo Pilotto - A gente tem feito um trabalho para identificar essas pessoas. É difícil, devido à multidão, mas é importante para defender o nosso movimento.
A avaliação do governo estadual é que esse grupo que atacou o palácio tem motivação política.
André Feiges - Qualquer governo, quando fica acuado, diz isso. O Geraldo Alckmin disse a mesma coisa. Mas nós não podemos fazer essa avaliação, porque não temos clareza quanto à identificação dessas pessoas. É leviano e conveniente os governos dizerem isso.
André Machado - De qualquer forma, essas ações não são de responsabilidade da manifestação, que tem um foco e que já provou ser pacífica.
Vocês pretendem coibir esse tipo de ocorrência?
André Feiges - A gente tem uma comissão de segurança que está adotando técnicas de pacificação não violentas. O negócio é não entrar no jogo. Mas a gente também não está fazendo nenhuma delação. Não vamos entregar ninguém para as autoridades, porque entendemos que a resposta do Estado à violência também é violenta.
Eu ouvi algumas pessoas da organização dizendo, naquela noite, que eram punks.
André Feiges - Não necessariamente. A gente prefere dizer que não é possível fazer essa identificação. Não dá para acusar um determinado grupo.
Como vão funcionar as próximas manifestações?
André Feiges - A pauta continua e a mobilização prossegue até que a tarifa baixe para R$ 2,60. Tem que ter clareza que a primeira conquista a ser realizada é a redução da tarifa. A partir disso, o céu é o limite.
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