PM atirou e afastou pessoas para colocar mulher em porta-malas, diz morador
Parentes e vizinhos de Cláudia Silva Ferreira, 38, morta no domingo (16) ao ser atingida por duas balas perdidas no morro da Congonha, em Madureira, zona norte do Rio, afirmam que os PMs afastaram com empurrões e dois tiros para o alto os moradores que tentavam socorrer a vítima.
Em seguida, eles teriam levado a mulher no porta malas da viatura com o braço dela pendurado.
Os moradores contam que os policiais deixaram a auxiliar de serviços gerais cair pela primeira vez na rua Buriti, na comunidade, em Madureira. Depois, arrastaram ela por pelo menos 300 metros na avenida Intendente Magalhães, no Campinho, bairro vizinho.
"Parecia guerra. Ouvi muito tiro de arma pesada. Levantei da cama, no quarto, e me joguei no chão da cozinha. Depois, corri pra fora e me deparei com a Cacau (apelido de Cláudia) caída", disse a vizinha Cristina Ferreira, 32, à Folha. A auxiliar de serviços gerais foi baleada entre 7h30 e 8h de domingo.
"A gente tentou socorrer ela, mas um policial pegou pelo short dela e outro pela blusa e jogaram na mala do carro. Todo mundo gritou: Não vai levar assim. Eles empurraram o pessoal, deram dois tiros para o alto, fecharam a mala com a mão dela pendurada para fora e foram embora", disse a vizinha.
A filha mais velha de Cláudia, Thaís Lima, 18, disse que os PMs acharam que sua mãe tinha envolvimento com o tráfico de drogas. A jovem também viu a mãe no chão e chegou a correr atrás do carro da polícia pedindo que eles parassem e tirassem Cláudia do porta malas.
"Bati na porta do carro, pedi pra eles pararem, mas não me ouviram", contou muito abalada ao mostrar o trajeto que a mãe tomava naquela manhã ao ser baleada. A vítima seguia com R$ 6 para comprar pão e mortadela para os quatro filhos e quatro sobrinhos que criava com o marido.
"Foi só virar a esquina e ela deu de frente com eles. Não teve troca de tiros. Só os PMs atiraram e atingiram minha irmã com dois tiros de fuzil, um no pescoço e outro no peito. Agora, a gente só quer Justiça", disse emocionado Júlio César Ferreira, 41.
"Os PMs alegam que não colocaram a minha irmã no banco de trás do carro porque a rua aqui é muito estreita e como vocês estão vendo não é. Fica uma sensação de impunidade. E de repente os que acertaram ela não foram os mesmos que socorreram daquela forma desumana", alerto Julio Cesar.
Nascida e criada no morro da Congonha, Cláudia Ferreira era querida na região. "Meu Deus, ela tinha um carinho enorme pelos filhos e sobrinhos. Acordava cinco da manhã para ir para o trabalho e chegava no final da tarde direto para cozinha para deixar pronta a refeição das crianças para o dia seguinte. Arrancaram um pedaço da gente, que valia tanto quanto um parente.
"Ela era guerreira, trabalhadora, solidária. Sempre que tinha uma comidinha diferente em casa chamava os vizinhos para compartilhar. Era uma amigona, que deixa saudade, muita saudade", lamentou a aposentada Maria Conceição Ferreira, 77, que apesar de ter o mesmo sobrenome era apenas vizinha de Cláudia.
A auxiliar de costura Márcia da Silva Coutinho, 44, teria sido a última pessoa a falar com a moradora antes dela ser morta. Coutinho voltava da padaria, quando cumprimentou Cláudia que seguia o trajeto inverso. Ela conta que " foi uma questão de segundos para vir a chuva de tiros".
"Foi Deus que me salvou. Até agora não credito que estou viva. Foi muito tiro. Só falei bom dia pra Cláudia e me joguei contra o muro de uma casa encolhida, orando", disse em entrevista à Folha.
Marcia Coutinho lembra que ficou em estado de choque e só queria sair daquele lugar. Ela diz que olhou para trás e viu um corpo cheio de sangue, que imaginava ser o da vizinha pela distância e característica.
"Os tiros só podem ter partido dos policiais porque veio da direção deles ali, mas eu estava sem condições de avaliar a situação. Só tremia e chorava muito. Quando cheguei em casa meu marido me deu o remédio da pressão e fez um suco de maracujá, mas estou sem dormir até agora. Só pedia que ajudassem a Cláudia, que devia ser ela lá no chão", disse.
"Não tinha como voltar para trás, eu podia levar um tiro. O som da rajada não sai da minha cabeça. Estou feliz por estar viva, mas triste pela morte da minha amiga", lamenta.
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