Imigrantes ficam em locais destinados a bois e cavalos ao chegar no Acre
Para os imigrantes recém-chegados, o sonho do Brasil como "terra prometida" se desfaz logo no Acre, primeira parada após a longa travessia pela América Latina.
Instalações precárias, demora na regularização dos documentos, dificuldades com a língua e ofertas de emprego muitas vezes degradantes são alguns dos fatores que contribuem para adiar o futuro do sonho brasileiro.
O abrigo, antes mantido pelo governo do Acre em Brasileia, na fronteira com a Bolívia, foi transferido para Rio Branco no mês passado. Na cidade fronteiriça, a situação beirou o "caos social" com uma superlotação que chegou a quase 2.500 imigrantes.
Agravou a situação a cheia do rio Madeira, que deixou o Acre ilhado e impediu o "escoamento" de imigrantes para outros Estados do país.
Em Rio Branco, até o próximo mês, o abrigo funcionará no Parque de Exposições.
Por causa da ExpoAcre, uma tradicional festa agropecuária, o governo terá de procurar um novo endereço –ainda indefinido– para os imigrantes, o oitavo desde que a migração em massa começou a ser registrada na região da Amazônia ocidental, entre 2010 e 2011.
Sem o abrigo na fronteira, os imigrantes que chegam não encontram amparo algum. O governo federal não disponibiliza nenhuma estrutura para recebê-los.
A reportagem encontrou dezenas de haitianos na rodoviária de Epitaciolândia (vizinha a Brasileia) que estavam ao relento e sem comer havia três dias. Eles diziam não ter dinheiro para sair dali.
Há duas semanas, quando a Folha visitou o abrigo, 412 pessoas estavam no local. Senegaleses eram maioria. Eles esperam muito mais tempo pela regularização dos documentos do que os haitianos, que recebem visto humanitário, cujo trâmite é rápido.
No local, todos os imigrantes –homens, mulheres e adolescentes– estão agrupados em galpões destinados à exposição de bois e cavalos.
Na hora da comida, eles não têm mesas nem onde se sentar. Utilizam o chão. Como não há talheres, comem com a tampa das quentinhas, como nas prisões.
O espaço no Parque de Exposições é grande, mas há pouco para se fazer. Ao contrário da Missão Paz em São Paulo, por exemplo, no Acre não há aulas de português ou qualquer outro processo que os ajude na integração aos costumes brasileiros.
"Se soubesse que seria assim, não teria vindo. Não recomendo ninguém passar pelo que estou passando", dizia o dominicano Melvin de Jesus Javier, 29, que chegou ao Acre após ser roubado e deixado pelo meio do caminho no trajeto entre Puerto Maldonado, no Peru, e a fronteira brasileira. Ele não sabe para onde ir no Brasil.
Apesar da precariedade, o abrigo funciona com uma lógica própria. Senegaleses (geralmente muçulmanos) e haitianos (cristãos) fazem cultos, mas pouco se misturam. Um comerciante acriano com algum dinheiro e tino empreendedor criou uma lan house no local, sempre cheia. Trinta minutos de internet custam R$ 1.
Há uma constante tentativa de se fazer dinheiro dentro do abrigo: imigrantes foram flagrados tentando revender a comida distribuída lá dentro e até os colchões.
Mas alguns deles se tornam referência. É o caso do senegalês Dame Gueye, 29, formado em comércio exterior e que domina sete idiomas. Além de tradutor, ele se virou uma espécie de coordenador informal do abrigo.
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