TJ apura atraso em decisões de juíza que soltou presos em SP
O Tribunal de Justiça de São Paulo abriu processo disciplinar em outubro último contra a juíza Kenarik Boujikian para apurar se a magistrada violou dispositivos legais ao apresentar baixa produtividade e atrasar o julgamento de processos quando atuou como substituta na corte, entre 2012 e 2014.
Esse processo administrativo é anterior à queixa apresentada pelo desembargador Amaro Thomé Filho para que o Órgão Especial decida se ela deve ser investigada por ter determinado a soltura de presos, que supostamente cumpriam pena há mais tempo que suas sentenças, sem consultar o colegiado ou Turma julgadora.
Em entrevista à Folha no final de janeiro, Boujikian sustentou que agiu corretamente. "Trata-se de uma situação que considero juridicamente muito simples: se a pena foi fixada e não há notícia de soltura transcorrido este período, dei alvará cautelar, para não haver risco de a pessoa ficar presa por mais tempo", disse.
A magistrada tem recebido manifestações de solidariedade de entidades ligadas aos direitos humanos, sob o argumento de que ela agiu para impedir a continuidade de prisões ilegais.
O processo anterior foi iniciado em 2013 por ordem do ex-presidente José Renato Nalini, à época corregedor-geral de Justiça. Por 16 votos a 8, o Órgão Especial do TJ-SP rejeitou a defesa prévia apresentada por Boujikian, que pretendia evitar a instauração do processo administrativo disciplinar.
A Corregedoria-Geral do TJ-SP entendeu que a juíza violou a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e o Código de Ética da Magistratura, além de dispositivo da Constituição Federal que assegura aos cidadãos a razoável duração do processo.
Em sua defesa prévia, a magistrada atribuiu os atrasos a "problemas pessoais enfrentados -e provados nos autos-além de sua situação de saúde, já sob controle".
Sustentou que sua produtividade nas Seções de Direito Público e Criminal foi expressiva, "a despeito dos problemas de saúde enfrentados por si própria e pela sua genitora, pelo desfazimento de seu matrimônio de três décadas, pela dificuldade de adaptação -já superada- ao julgamento em colegiado".
Ela informou ao Órgão Especial ter se afastado do conselho de administração da Associação Juízes para a Democracia (AJD), da qual é cofundadora, para se dedicar exclusivamente aos processos.
No período entre dezembro de 2011 e janeiro de 2014, segundo a Corregedoria-Geral, Boujikian apresentou produtividade inferior à média das Câmaras Especializadas: 36% da média em 2012 e 21% em 2013. Em janeiro de 2014, prolatou metade dos votos proferidos pelos demais juízes e desembargadores.
"Não restam dúvidas que a produtividade da magistrada está muito aquém do mínimo que se espera de um membro do Poder Judiciário Paulista", afirmou em seu voto o desembargador Hamilton Elliot Akel, sucessor de Nalini na corregedoria. Ele ressalvou, no entanto, que entre janeiro e julho de 2014 Boujikian teve produtividade acima da média: 114%.
Durante o julgamento, Akel relatou que ele e Nalini haviam sugerido à magistrada que se aposentasse, com o que a juíza não concordou.
Foi com base no aumento de produtividade da magistrada no primeiro semestre de 2015 que o desembargador Antônio Carlos Malheiros divergiu da maioria e fez declaração de voto pela suspensão do processo, mesmo admitindo que os números apresentados pela corregedoria eram "preocupantes, principalmente quando pensamos nos jurisdicionados [pessoas cujos interesses são julgados pelo tribunal]."
"Note-se que a Magistrada, independente passar por problemas de saúde e ordem pessoal, no primeiro semestre deste [daquele] ano, teve sua produtividade aumentada. Só nesta última semana, pautou 50 processos", declarou.
Malheiros entendeu que, "com certeza, a juíza colocará seu acervo em dia", pois o Órgão Especial havia deferido o gozo de licença-prêmio à magistrada.
Procurada, Boujikian não se manifestou sobre o processo disciplinar. Sua defesa, por meio de nota, informou que "os atrasos noticiados foram devidamente justificados no processo administrativo". "É importante frisar que a magistrada usou seus períodos de licença-prêmio e férias para colocar seu acervo em dia; portanto, está com seu trabalho em ordem desde então."
Segundo nota do "Painel" publicada no sábado (13), entre os dez presos que a juíza Kenarik Boujikian mandou soltar após suspeitar de prisão além do tempo, e que geraram a queixa apresentada pelo colega da magistrada, estava Elissandro Duarte dos Santos, cujo processo ficou parado no gabinete da magistrada por quase um ano -de 14 de maio de 2014 a 8 de abril de 2015. Ainda de acordo com o "Painel", outros cinco processos aguardaram por mais de seis meses pela análise da juíza, quando o tempo máximo tolerado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é de cem dias.
Segundo a defesa de Boujikian, o processo ingressou no TJ em 14 de maio de 2013 mas chegou ao gabinete da magistrada apenas 365 dias depois, em 14 de maio de 2014. "Além disso, o Ministério Público, ao constatar que o CD com depoimento das testemunhas estava corrompido, requereu que um novo CD fosse juntado, o que atrasou ainda mais sua tramitação, já que não é possível proceder o julgamento sem esses áudios. Os demais atrasos foram justificados", disse o advogado da juíza, Igor Tamasauskas.
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