Réu que levou Supremo a acelerar prisões agora espera por recurso
Em menos de 15 dias, Gil Rugai –condenado pelo assassinato do pai e da madrasta em 2004– foi preso, as delações na Operação Lava Jato ganharam novo impulso e a liberação de parte da verba devida pela falida companhia aérea Vasp foi acelerada.
A causa: uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 17 de fevereiro. A causa dessa decisão: um homem que toca sua vida à espera de cumprir sua pena.
Márcio Rodrigues Dantas, ex-vigia condenado a cinco anos de prisão pelo roubo de R$ 2.600, em 2010, quando tinha 21 anos, é o nome no habeas corpus 126.292, a partir do qual o STF decidiu que a prisão de condenados deve ocorrer já depois de confirmada a sentença em segunda instância, ou seja, antes de se esgotarem todos os recursos.
Renato Costa - 17.fev.16/Folhapress | ||
Ricardo Lewandowski (ao centro) e outros ministros do STF em sessão do último dia 17 |
Condenado por participar de um assalto na mesma rua em que ele e sua família vivem até hoje, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, Márcio, sem querer, abriu as portas para que casos como o seu sejam comuns.
"Ele é um cara trabalhador. Tem dois filhos pequenos para criar. Eu quase nem vejo ele, de tanto que trabalha", diz seu irmão mais novo, que afirma que a família, principalmente a mãe, está "muito preocupada com a decisão" e ainda espera um recurso.
Segundo testemunhas, por volta das 10h de 16 de setembro de 2010, Márcio e um comparsa, Antônio Sérgio Lopes, abordaram Paulo Batista dos Reis. A vítima carregava R$ 2.600 que seriam usados para pagar um grupo de mulheres que trabalhava em uma campanha eleitoral para um vereador da cidade.
A dupla fugiu em uma moto Honda Twister amarela, tal qual a de Márcio. Talvez por isso, logo após o crime, as mulheres que deveriam receber seus pagamentos foram à casa em que ele vive para reaver o dinheiro.
Recebidas pela mulher de Márcio, ouviram dela que o marido não havia retornado da rua para onde havia ido entregar currículos. O mesmo diria Antônio à polícia.
Encapuzados, os dois foram reconhecidos pelas testemunhas "com certeza" e "pelo olhar", respectivamente. Nenhum deles, no entanto, conseguiu provar que, de fato, entregou currículos no dia do crime, anotou o juiz.
Posto em liberdade à espera do julgamento, Antônio foi preso em seguida, mais uma vez por assalto.
Ambos foram condenados. Márcio a cinco anos e quatro meses e Antônio a seis anos e oito meses de reclusão. "A instrução [do processo] foi turbulenta, inclusive com aplicação de falso testemunho para algumas vítimas", afirma a advogada de Antônio à época, Elaine Hakim.
MORO
Enquanto recorria, Márcio ficou em liberdade. O Tribunal de Justiça, porém, não só manteve a condenação como ordenou que ele fosse preso imediatamente.
Sua atual advogada, Maria Cláudia de Seixas, recorreu, e o pedido de habeas corpus foi parar no STF. "Acredito que a decisão foi precipitada e, no mínimo, inconstitucional."
Festejada por uns e criticada por outros, a reformulação do entendimento do STF havia sido defendida pelo juiz federal Sergio Moro, que atua na Operação Lava Jato. A decisão não foi unânime.
"Ao que parece, o STF se curvou à opinião pública, pois ela clamava por isso", diz a advogada, que deve recorrer.
Enquanto isso, seus contatos com Márcio são feitos através da mãe dele, que era faxineira de uma estagiária da filha de Maria Cláudia, também advogada.
A defensora se diz preocupada com a possibilidade de o caso criar jurisprudência.
"O Superior Tribunal de Justiça já corrigiu a primeira ilegalidade do julgamento do TJ, fixando o regime semiaberto", diz ela. "Se fosse de imediato executada a decisão do TJ, Márcio estaria cumprindo sua pena em regime inadequado. E quem iria lhe restituir essa ilegalidade?", pergunta.
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