Esquecidos da chuva: um mês depois, vítimas aguardam auxílio de Alckmin
A dona de casa Ivonete dos Santos, 65, tem uma casa que não é mais dela. Faz um mês que ela visita, diariamente, o que sobrou do seu sobrado: paredes rachadas e o chão, coberto de lama. "Ali era o quarto. Aqui, a cozinha. Na hora do deslizamento, eu estava fazendo doce de goiaba".
No dia 10 de março, uma forte chuva matou 25 pessoas no Estado de São Paulo –a maioria em deslizamentos de terra. Moradora de um morro em Francisco Morato (Grande SP), Ivonete escapou por pouco quando o barranco atrás de sua casa caiu. Um dos seus vizinhos, o garoto Guilherme de Oliveira, de oito anos, morreu soterrado.
Um mês depois, ela ainda espera uma ajuda prometida pelo governo enquanto visita sua casa destruída. "Sei que não posso morar mais aqui, mas ainda sinto que é minha", diz. O sobrado está interditado pela Defesa Civil.
Como outros desabrigados, a dona de casa ainda não recebeu a bolsa-aluguel prometida pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no dia seguinte à tragédia. Na ocasião, em visita a uma área de deslizamento, o tucano afirmou em entrevista: "O governo pagará o auxílio-aluguel para as famílias que precisarem".
A família de Ivonete precisa, mas não recebeu nenhum centavo dos R$ 400 da bolsa. "Estou pagando aluguel do meu bolso, faz muita diferença na nossa renda. Me jogam de um lugar para o outro, cada um fala uma coisa", diz.
Quem cuida de pagar o auxílio são as prefeituras das cidades atingidas, a partir do aporte financeiro feito pelo governo do Estado.
Em Francisco Morato, os desabrigados da chuva enfrentam agora os escaninhos da burocracia.
A casa do metalúrgico Juraci Santana, 27, por exemplo, está condenada. Na beira de um barranco que caiu, o imóvel ficou cheio de rachaduras nas paredes e no teto. "Saí por medo de morrer", diz ele, que está pagando aluguel para viver com a mãe e o irmão em uma garagem.
Um mês depois, a Defesa Civil não lhe deu um atestado de interdição do imóvel. Sem o papel, ele não é oficialmente um desabrigado e não tem direito à bolsa-aluguel.
Como acontecem os deslizamentos
Outras vítimas de Morato contaram a mesma história à reportagem. A diarista Marli Gomes, 40, vive com 12 parentes –cinco deles crianças– em um barraco a pouco mais de um metro de um enorme barranco. Ali, a terra também caiu no dia 10. O risco à família é altíssimo, mas ninguém pretende sair desse local.
Sem laudo da Defesa Civil, Marli também caiu no limbo burocrático. "Nós não temos condições de sair daqui sem essa bolsa. Vou para onde, com qual dinheiro?", diz.
CESTA BÁSICA
Na vizinha Mairiporã, outra cidade atingida pelo temporal, o padeiro Cristiano França, 35, também não recebeu a ajuda prometida. Na tragédia, ele perdeu sete parentes soterrados –três filhos, a mulher, sobrinha, pai e mãe.
"A prefeitura me mandou só uma cesta básica", diz. O serviço social da cidade também disponibilizou um psicólogo para acompanhar Cristiano. Fora isso, nada.
Da família, sobreviveram Cristiano, uma filha dele de 16 anos e sua irmã Cristiane, que ficou ferida com o soterramento. Os três estão vivendo de favor em uma casa cedida por vizinhos.
Em nota, o governo do Estado afirma que, um mês após a tragédia, ainda espera que os municípios enviem dados das famílias desabrigadas para liberar a verba emergencial do auxílio aluguel. Diz também que os desabrigados terão prioridade em moradias populares já em construção.
A Prefeitura de Francisco Morato não respondeu aos questionamentos da reportagem e representantes de Mairiporã não foram localizados.
CASA INVADIDA
Moradores de Francisco Morato arrecadaram R$ 840 em uma vaquinha para comprar as lonas que agora cobrem um barranco. O medo é que mais terra caia quando chover de novo.
O vendedor Thiago Lourenço, 26, foi um dos que participaram do rateio. "Hoje, a prefeitura diz que vivemos em áreas de risco. É verdade. Mas quem autorizou as construções? Compramos nossa casa num leilão da própria prefeitura, em 2010", afirma ele, também desabrigado e sem a bolsa-aluguel.
Na cozinha em ruínas da casa onde morava, Ivonete conta que o prefeito de Francisco Morato, Marcelo Cecchettini (PV), visitou as famílias desabrigadas.
"Ele disse que as casas aqui são invadidas. Eu moro aqui há 25 anos, paguei IPTU, pagava água e luz. Minhas mãos até formigam quando falo, quando entro aqui. Só Deus sabe o que está passando no meu coração", diz.
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