Autista, criança morta em incêndio em favela só se acalmava vendo futebol
Zanone Fraissat/Folhapress | ||
Casa na favela Alba atingida por incêndio que causou a morte de criança de 11 anos |
Sentado ao lado das cinzas da sua casa, Bebeto se consumia em remorso. "Eu não consegui salvar o meu sobrinho, isso que me mata", lamentava, desolado. "Tudo aí é ele, eu posso estar pisando nele", dizia, apontando para os restos de madeira e móveis queimados.
O menino, de 11 anos, morreu ali, carbonizado em um incêndio na tarde de segunda-feira (25) na favela Alba, na zona sul de São Paulo.
O sobrinho de Bebeto, Weliton Roberto Seara, era autista e surdo. As chamas atingiram 20 casas de alvenaria e 50 barracos, de acordo com a Defesa Civil. Cerca de 77 famílias estão desabrigadas, entre elas a de Weliton. Quando o fogo se alastrou, o menino tomava banho no andar de cima de um barraco de madeira, a casa da avó.
Segundo moradores do local, José Roberto Seara, 35, o Bebeto, ainda tentou salvar o menino, mas as labaredas já haviam tomado a casa. O ajudante de pedreiro morava ao lado, em outro barraco, também destruído pelas chamas.
"Ele chutou a porta e tentou entrar, foi um herói. Ele se sente culpado, porque era tio e padrinho, mas não é culpa dele", conta a mãe de Weliton, Leonice Seara, 37.
Ainda assim, Bebeto estava inconsolável. No dia seguinte ao incêndio, chorava ao lado das cinzas, olhando o córrego poluído que passa perto das construções improvisadas. "Quando ele precisou, onde eu estava?", se questionava.
O fogo começou por volta das 15h, segundo moradores, que não ouviram nenhuma explosão. As causas do incêndio estão sendo investigadas, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado.
Leonice estava em casa, em um barraco contíguo ao da avó de Weliton, que cuidava do menino quando ele voltava do colégio. "Vi o fogo e gritei. A minha mãe saiu, mas não deu tempo de voltar", lembra Leonice.
Os moradores afirmam que Weliton não saía muito de casa. "Não dava, ele não tinha noção das coisas. Rasgava dinheiro, quebrava tudo, batia a cabeça na parede, se jogava no meio dos carros", diz a mãe do garoto.
Instável, só se acalmava vendo futebol. Não tinha um time específico, qualquer jogo o satisfazia. "Só não podia dar o intervalo, que ele ficava nervoso mais uma vez", afirma a mãe.
Além de Weliton, Leonice tem outros quatro filhos –dois são deficientes físicos. "São surdos também. Só que o Weliton era diferente", conta. Segundo ela, o autismo do menino foi diagnosticado por volta dos nove anos, mas os sintomas sempre foram visíveis. "Desde o nascimento."
Weliton, assim como os dois irmãos com deficiência, estudava em um colégio distante: a escola municipal para surdos Helen Keller, na Aclimação, região central de São Paulo. "Os irmãos acordam às 4h da manhã para tomar banho e esperar a perua da escola", conta Leonice.
'BRINCAVA DE TUDO'
Weliton tinha algumas excentricidades, lembra a mãe, com carinho. Não bebia água nem suco, só refrigerante. Comia mistura, mas não gostava de arroz e feijão. Apesar dos gostos peculiares, Leonice o via como "uma criança normal, que brincava de tudo".
A mãe sustentava os cinco filhos com a ajuda de parentes. "Meus irmãos são o meu porto seguro", conta. O marido morreu de câncer, e Leonice teve um derrame há cerca de um ano. Ela fala do incidente com naturalidade, explicando a longa cicatriz na cabeça.
Atualmente, trabalha como faxineira e faz bicos como vendedora em uma loja de móveis, onde recebe cerca de R$ 250 por mês, dependendo da comissão. "Não posso deixar de dar as coisas para os meus bebês. Tem que ter pão. E só de fraldas para o Welinton era R$ 68 por semana."
A família também recebe auxílio de um salário mínimo do governo, pela deficiência do menino. "Agora também vou perder isso." Na comunidade, amigos reuniram doações para os gastos com o funeral de Weliton. Nesta terça-feira (26), a mãe foi ao IML (Instituto Médico Legal) realizar exames para a identificação dos restos mortais do menino.
Apesar de ter perdido a casa e o filho, Leonice diz, resignada, que vai continuar a morar na favela Alba. "Moro aqui desde que nasci, não tenho para onde ir. Vou reconstruir a casa."
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