Berço de Comaneci, Romênia tem dificuldades para encontrar novas ginastas
"Vamos à Olimpíada de Pequim para buscar o ouro. Se ficarmos em segundo lugar, será bom? Talvez sim, mas não para mim. Pois temos condições de ser campeões."
A frase do treinador da seleção romena de ginástica Nicolae Forminte escancara o sentimento no país considerado a pátria da ginástica artística, único a figurar no pódio olímpico ininterruptamente desde 1976 e o que mais conquistou medalhas desde então (63).
Veja vídeo com imagens das jovens atletas romenas da ginástica
Apesar de manterem vivo o mito de Nadia Comaneci, primeira atleta a tirar 10 na história do esporte, os romenos têm ciência de que não ostentam o poderio financeiro dos EUA nem a profusão de ginastas da China. Mas estão convictos: são os campeões da vontade.
"Garanto a você que ninguém quer mais do que a gente ganhar o ouro em Pequim", diz Adela Popa, ex-ginasta que há 14 anos treina a seleção juvenil.
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A gana para defender na China o título por equipes e manter a série de pódios olímpicos que dura desde Montréal-76 ajuda a aplacar os impactos da transição por que passam tanto a ginástica romena como o país.
Enquanto a nação corre para se adaptar 100% às regras da União Européia, à qual foi promovida em 2007, a ginástica se desdobra para evitar perdas devido à globalização e à mudança de mentalidade das ginastas.
"Antes, respirava-se ginástica 24 horas por dia. Agora não. Além de a criança não ter só a ginástica como opção, para piorar, dependendo da idade, os pais têm que pagar para que o filho faça o esporte, o que não é possível para muitas famílias", diz o treinador Cotutiu Florin.
As maiores perdas se devem à queda do regime ditatorial de Nicolae Ceausescu, que ruiu em 1989. Desde então, a ginástica deixou de ser obrigatória na escola. Hoje paga-se de 30 a 80 euros por mês para praticá-la.
"Sem a ginástica na escola, perdemos muito. Mas, devido à tradição e aos bons treinadores, que trabalham bem a base, conseguimos manter o alto nível das seleções", diz Alexandru Epuran, diretor esportivo do Comitê Olímpico Romeno e chefe da missão em Pequim.
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Ele afirma que a ginástica é o carro-chefe dos esportes olímpicos do país, apesar de o futebol dominar a preferência.
"A ginástica é a primeira no coração dos romenos, mas não o esporte número 1 do país. É preciso investimentos", diz Marius Urzica, dono de um ouro olímpico e duas pratas. Hoje, ele é técnico e, para ampliar a renda, tem se aventurado no teatro. Os treinadores no país ganham de R$ 780 a R$ 2.000.
A ginástica romena trabalha com orçamento de 2,5 milhões de euros (70% vindos do setor privado) no atual ciclo olímpico e, nesse processo, viu os treinadores trocarem a severidade pelo diálogo para superar crises --tais quais atleta posar nua e escapadas da concentração.
"Hoje o que vale é a confiança. Não tem como evitar que a ginasta deixe a concentração, mesmo dentro do quarto. Elas ganham muito dinheiro, acredite, e todas têm laptop e internet que permitem falar com o mundo todo. Só dizemos: 'Se você quer ser campeã, como foi Nadia Comaneci, o caminho é esse'", diz Forminte, que chefia a seleção auxiliado por cinco técnicos, coreógrafo, médicos, massagista e fisioterapeuta.
Comaneci é um ícone tão presente que todas as pessoas ouvidas pela Folha não souberam precisar o que era a ginástica no país antes de ela assombrar o mundo em Montréal-76.
Mas as ginastas admitem sofrer mais do que a superstar. "O esporte exige muito mais hoje. Os elementos são mais complexos", diz Ana Porgras, 14, campeã juvenil européia, que vê a família a cada três meses.
Ela e mais 12 atletas da seleção juvenil e 15 ginastas da equipe adulta cumprem rotina similar no CT de Deva, situado ao pé da montanha que abriga ruínas de um dos castelos da Transilvânia. No CT, apelidado de "Fortaleza" e que já superou problemas (de morte de atleta em 2001, vítima de aneurisma, até uma sabotagem em 2004, quando insetos foram "plantados" no centro, que acabou fechado), elas comem, estudam, treinam sete horas por dia, exceto aos domingos, e dormem.
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Chegar a Deva ou a Osneti, cidade natal de Comaneci e que abriga outro CT, não é tarefa fácil. O centro faz seleções três vezes por ano e tem sofrido para atrair crianças, a partir dos quatro anos, à ginástica, apesar de o esporte ainda ser visto como a chance de melhorar de vida --só patrocinadores chegam a oferecer carro e 100 mil euros a quem obtiver ouro em Pequim.
Por isso, os clubes (12 se destacam no país, entre eles o Dínamo de Bucareste) são decisivos --mas reclamam mais verbas. E dezenas de torneios ajudam olheiros a alimentar seleções e CTs, que contam hoje com cerca de 300 ginastas. Só os times adultos e juvenis terão neste ano 25 campeonatos.
Repleta de ídolos, seja na TV (como Andreea Raducan e Catalina Ponor, hoje apresentadoras), seja ensinando em ginásios ou universidades, a Romênia tem na ginástica o perfil esportivo do país, calcado em disputas individuais.
"Levaremos delegação com até 120 atletas aos Jogos. Não somos o Brasil [233 vagas], cheio de esportes coletivos. Por levar poucos atletas e dar muitos pódios, a ginástica é vital", diz Epuran.
Quanto ao futuro, além de crer que a parte artística terá de ser valorizada pelo júri, Forminte resume, de novo, o sentimento romeno: "Precisamos só de mais, bem mais, crianças. Nossa atuação em Pequim será vital para o futuro. Pois preparar uma atleta exige quase dois ciclos olímpicos. Então, para 2016, temos que pensar hoje".
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