'Clube família' sobrevive há 92 anos nos arredores do Itaquerão
Ser da "elite" nunca foi símbolo de status em Itaquera, ao menos para os veteranos. Por aquelas bandas da zona leste de São Paulo, chique mesmo era ser elitiano.
Assim eram (e ainda são) chamados os sócios da Sociedade Esportiva Elite Itaquerense. O clube foi criado em 1922, numa época em que nem se sonhava com o Itaquerão, pelo comerciante de ascendência sírio-libanesa José Salomão, descrito como "visionário" por uns e como "maluco" por tantos outros.
O nome Elite era referência a uma marca de roupas esportivas, que, na época, era a queridinha da grã-finagem.
"O Elite era um dos pontos mais tradicionais de toda a zona leste. Uma grande família", recorda-se, com uma pitada saudosista, Josephina Nogueira Baptista, 82, a dona Kiki. "Carnaval, bailes, shows. Isso aqui era uma festa!" Nos idos de 1950, ela conheceu o marido, Mário Baptista, 87, num baile de gala.
No momento em que os holofotes se voltam para a região, os elitianos não estão preocupados em arrebanhar seguidores, mas querem mostrar que o Elite ainda é "sinônimo de tradição e segue firme", como se gaba o presidente da agremiação, José Agostinho Nobre, 55.
Aos olhos dos mais céticos, "firme" talvez não seja a palavra certa para expressar a atual situação do clube.
Em 1972, quando inaugurou seu "parque aquático" (na verdade, três piscinas), o Elite assistiu à chegada de uma avalanche de associados: 2.500 "neoelitianos" lotaram suas dependências.
"Eu nadava nos rios do bairro. Com a área aquática, todo o mundo queria ainda mais ser elitiano", conta o técnico de informática Fernando Miura, 52, que passou a ostentar o título aos 12 anos.
A tese da direção do clube é que a proliferação de prédios com área de convívio social acabou afugentando novos sócios. Hoje, restam 69 pagantes –há outros 211 entre beneméritos e honorários.
"Nós, elitianos, não falamos em declínio", diz o empresário Gilmar Davanzo, 60, que não se sente desencorajado pelos números atuais. "Para sócios e diretores, o Elite estará sempre no topo."
O clube sobrevive da locações de seus dois salões e do ginásio coberto, e não mais da anuidade de R$ 1.080.
Uma escola e um time de futsal, que disputa campeonatos até no exterior, são herança dos velhos tempos.
O cardápio social é, digamos, mais eclético: uma vez por ano, em maio, um evento chamado Cantina Pó de Arroz reúne sócios e convidados num jantar dançante com rodízio de pizza a R$ 30 por cabeça. Outra festa concorrida é a da cerveja, em outubro.
Os bailes de Carnaval continuam atraindo foliões. Orgulho elitiano são as matinês voltadas para a terceira idade nas tardes de domingo –até metade dos anos 1990, a domingueira era a coqueluche entre os jovens da região.
Com oito funcionários, o clube, segundo Luiz Carlos Silva, 65, diretor financeiro, "não tem nenhuma dívida."
DE 'SALTO ALTO'
O Elite Itaquerense nasceu como um time de futebol que era a sensação do bairro. As partidas eram disputadas num campinho de terra batida que nem luz tinha. Os jogos reuniam 3.000 torcedores. Nunca chegou à primeira divisão, mas era imbatível na várzea: do Brás a Mogi.
A agremiação não possuía sede, mas seu criador já traçava planos para erguê-la.
"No final dos jogos, Salomão mandava passar uma bandeira vermelha e outra branca, as cores do clube, arrecadando dinheiro da torcida", diz o aposentado Luiz Antonio Ascenção, 69, que, aos quatro anos de idade, era a mascote do Elite.
Foi assim que o comerciante comprou os dois terrenos que serviram de base para a construção da sede. A pedra fundamental foi colocada em 1955. Antes disso, as festas do clube eram realizadas num antigo cinema de Itaquera.
"Era um privilégio ser elitiano. A diretoria e os associados andavam de 'salto alto'", conta o empresário Roberto Davanço, 58 [irmão do Gilmar, mas com "ç" no sobrenome], que não chegou a desfrutar de tal condição, pois tornou-se sócio em 2000, época em que o clube já não andava com essa bola toda.
Mas, para essa turma, hoje o glamour pouco importa: o que vale nesta vida continua sendo ser elitiano.
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