Torcedores já compram pacotes no cemitério do Corinthians
David Sanchez, que "não deixava entrar verde em casa, só salada", telefonou para casa dias antes do Natal de 2012. Membro da organizada corintiana Gaviões da Fiel, anti-Palmeiras até o fim, "ele disse que podia até morrer. Estava muito feliz porque tinha visto o Corinthians ser campeão mundial no Japão".
Seis meses depois, Domingos estava muito triste porque tinha visto o filho ser declarado morto no hospital. David tinha 32 anos quando, no dia 5 de junho de 2013, um carro na contramão atingiu em cheio sua moto. Morreu uma semana depois.
O pai guarda a urna com as cinzas do "torcedor desde criancinha" em seu escritório de advocacia. Queria jogá-las no Itaquerão, o estádio do Corinthians. Bolou um novo plano quando a mulher assistiu ao comercial do Corinthians para Sempre na TV.
Moacyr Lopes Junior/Folhapress | ||
Francisco Bento, 53, já paga por vaga no cemitério corintiano; e treina em casa |
Trata-se de um cemitério, recém-divulgado pelo clube, "para quem é Corinthians do início ao fim", como zela o slogan. A previsão é que abra no segundo semestre de 2015, em Itaquaquecetuba, a meia hora de São Paulo.
A escolha do local foi estratégica, segundo Ricardo Pólito, CEO do Grupo Memorial, que fechou parceria com o clube. A legislação paulistana diz que a urna funerária deve seguir o padrão determinado pela prefeitura. Em municípios sem essa exigência, ela pode ser customizada em preto e branco, a gosto do freguês alvinegro.
E ai da grama do vizinho ser mais verde. "Nossa grama será preta. Quer dizer, verde-escura, mas é quase preta", afirma Pólito, que se define como um cliente do seu próprio negócio."Sempre tive imagem da morte como uma coisa terrível. Agora a morte não é tão ruim assim."
Há quem pense diferente na comunidade do projeto no Facebook. Por lá brotam comentários do tipo"sou Timão mas tô fora, credo". Um internauta torcia contra: "Tem que enterrar esses caras no Amapá, bem longe. Ô, raça!"
TRÊS CATEGORIAS
O cemitério terá 70 mil espaços espalhados por 402 mil m², pouco mais da metade do campo-santo de Vila Formosa, na zona leste paulistana, o maior da América Latina.
Os preços da pré-venda são promocionais. Domingos pagou R$ 600 num cinerário para os restos mortais de David, na quadra "Minha Vida". Há ainda a quadra "Minha História", mais em conta para a hora da morte –R$ 480.
Com três gavetas, os jazigos custam de R$ 1.800 a R$ 3.120 e podem ser parcelados em 20 vezes. Após o lançamento, a fatura subirá para até R$ 7.800.
O cantinho mais VIP ficará na quadra "Meu Amor", réplica de um campo de futebol onde caberão 2.500 moradores póstumos. Ídolos alvinegros terão cem túmulos reservados nesse terreno.
Ex-jogadores vivos, como Biro-Biro, Basílio e Geraldão, já têm vaga cativa. Há conversas com a família de Sócrates (1954-2011). Morto em julho, o comentarista esportivo e corintiano roxo Osmar de Oliveira terá sua ossada transferida para lá, diz o gerente de marketing do Corinthians, Alexandre Ferreira.
ESTILIZADO
A bandeira do Corinthians cobriu o caixão do Dr. Osmar. A empreitada fúnebre colocará à disposição serviços afins: seguro de vida, assistência funeral e cerimonial de despedida com coroa de flores personalizada e hino do clube ao fundo. Os planos começam em R$ 15 mensais.
Aos 53, Francisco Bento espera "demorar bastante" até usufruir do pacote adquirido. Mas "vai que", né? Pagará a primeira das 20 parcelas de R$ 156 por um jazigo no cemitério. "A única coisa certa que a gente tem é morrer."
A mulher e um filho torcem para o São Paulo, enquanto ele e outro rebento são corintianos. Ela ainda não quer pensar no momento do "até que a morte nos separe". Francisco não sabe se a família ficará unida no final das contas mundanas. "Cada um torce para o seu. Se quiser, vai; se não quiser, não vai."
Fotografia e reportagem FELIX LIMA e RODRIGO MACHADO edição BRUNO SCATENA
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