ANÁLISE
Tite quer o ataque; Edgardo Bauza, a segurança na seleção
Os economistas dos anos 1980 chamavam de "efeito Orloff" a repetição no Brasil dos erros da Argentina no combate à inflação. Era uma alusão a um comercial de vodca, em que o bebedor via sua imagem do dia seguinte refletida no espelho: "Eu sou você amanhã", dizia o texto.
O Brasil era igual à Argentina com meses de atraso. No futebol do século 21, acontece o inverso. Brasileiros e argentinos cometem os mesmos erros, com a diferença de que muitas vezes o pecado acontece antes aqui e depois em Buenos Aires.
Tite foi anunciado no dia 20 de junho para o quarto ciclo de um técnico da seleção em seis anos. Edgardo Bauza foi confirmado 40 dias mais tarde. É o quarto nome desde o fim da Copa de 2010, depois de Sergio Batista, Alejandro Sabella e Gerardo Martino.
As semelhanças entre Tite e Bauza terminam no dia de suas estreias: 1º de setembro. Desde então, a Argentina despencou de terceiro para sexto lugar nas eliminatórias, o Brasil subiu de sexto para a liderança. Até na classificação, a Argentina que jogará no Mineirão quinta-feira (10) é o Brasil de três meses atrás.
Os motivos das escolhas de Tite e Bauza apontam as diferenças. A CBF contratou o melhor técnico brasileiro da atualidade. A AFA sonhou com Diego Simeone, conversou com Marcelo Bielsa, pensou em Mauricio Pocchettino, entrevistou Miguel Ángel Russo e contratou o técnico que era do São Paulo.
O sucesso dos treinadores argentinos na Europa é inversamente proporcional à falta de mercado para os brasileiros. É justamente isso que permite ao Brasil contratar seu melhor e obriga a Argentina a escolher um entre os mais discretos.
Simeone pode amar a seleção que defendeu com afinco por 14 anos. Só que o mercado o deseja no dia a dia na meca do futebol moderno.
"Pânico e desilusão são as palavras que definem nossa sensação sobre a seleção. Pânico por não se classificar e desilusão pelo baixo rendimento dos jogadores que brilham todas as semanas na Europa", diz o editor da revista "El Gráfico", Elias Perugino.
"Por respeitar a trajetória dos craques, Bauza forma um time diferente do que acredita", completa.
Ele teria uma equipe mais defensiva, se pudesse.
Bauza foi zagueiro. Tite era meia-direita. O argentino esteve na Copa de 1990 com a seleção. Embora defensor, ia para a área e fazia gols.
Tite nunca defendeu o Brasil. Marcou só cinco vezes em 41 partidas de Campeonato Brasileiro, por Caxias, Guarani e Portuguesa.
Hoje o brasileiro quer o ataque. Bauza, a segurança.
Daí a Argentina jogar com dois volantes e um centroavante. Ainda não reuniu Messi, Aguero, Di Maria e Higuain, o que pode acontecer contra o Brasil, no Mineirão.
Mas agrupá-los e dar segurança à equipe não é tarefa simples. Atrás, devem jogar Mascherano e Biglia. Dois volantes e uma linha de quatro defensores que marque no campo de defesa.
Tite faz sua equipe marcar no campo de ataque e orgulha-se quando percebe que Neymar começou com um desarme uma jogada que terminou em gol, dele mesmo, contra a Colômbia. "Me disseram depois do jogo que o desarme foi do Neymar. Eu fui ver e foi mesmo", relatou Tite.
Contido na formação do time, Bauza foi ousado nas palavras. Afirmou que será campeão mundial em 2018. Neste caso, quem joga na retranca é Tite. Não fala em título, mas em dar um passo por vez.
Primeiro a classificação, depois medir o Brasil contra as melhores seleções do planeta. Por fim, planejar a campanha para tentar vencer a Copa do Mundo em 2018.
Tite tem Neymar, e Bauza tem Messi. O melhor jogador do planeta tem poder de confirmar um "efeito Orloff". Não dá para descartar que a felicidade com a seleção brasileira hoje se torne o sucesso da Argentina amanhã.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Com cara definida, o Brasil de Tite tem como principal característica a movimentação constante |
Editoria de Arte/Folhapress | ||
A Argentina de Bauza vai no 4-2-3-1; uma alternativa é Messi jogando ao lado de Aguero |
DA 'EMPATITE' À DEVOÇÃO AO TIME DE 1982
Desde o retorno de Carlos Alberto Parreira à seleção brasileira, em 1991, o Brasil teve 11 ciclos de treinadores. Tite foi o primeiro a relatar a admiração pelo time derrotado em 1982.
Seu processo de devolução da seleção à torcida inclui falar de história. Tite emociona-se ao falar da vitória em 1970 e da derrota do time de Telê Santana, na Espanha.
Sua maior referência na Europa é Carlo Ancelotti, atual técnico do Bayern. No passado, Tite foi mais José Mourinho do que Pep Guardiola. Entre os dois, Ancelotti é o equilíbrio. É o que Tite deseja. Uma seleção que marque forte no campo de ataque e saiba envolver o rival com a bola no pé. Estilo brasileiro. Mas jogando como as principais equipes da Liga dos Campeões.
ARGENTINO SEGUE ESCOLA PRAGMÁTICA
Durante 30 anos, a Argentina discutiu o futebol sobre duas óticas. A de César Luis Menotti, ofensiva, ou a de Carlos Bilardo, pragmático. A discussão brasileira sobre vencer como em 1994 ou perder como em 1982 na Argentina tinha nome: menottistas x bilardistas.
Bauza sempre se esquivou da discussão. "Joguei com os dois. Menotti seduzia o elenco. Bilardo organizava o time." Bauza foi convocado para a seleção pela primeira vez com Menotti, mas afinou-se mesmo com o estilo de Bilardo.
Seu jeito de jogar é muito mais parecido com o do campeão de 1986. Seus times marcam muito. Só depois atacam. É uma das razões de não vencer partidas fora de casa. Foi assim nos clubes. Na seleção, teve dois empate como visitante.
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