Sem adesão total de clubes, estudo médico da CBF apresenta lacunas
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Segundo estudo, de 299 lesões registradas em partidas da série A do Brasileiro 2016, 127 foram na coxa |
Divulgado na última quarta-feira (17) pela CBF, levantamento da Comissão Nacional de Médicos do Futebol (CNMF) apresentou um panorama das lesões sofridas por atletas durante as 380 partidas do Brasileiro de 2016.
A iniciativa é inédita no país e, por isso, ainda não tem parâmetro para comparação.
Mas o estudo, que pode virar ferramenta crucial na prevenção de lesões no futebol nacional, não contou com a ajuda de todos os clubes capacitados a fornecer dados.
"Nesse primeiro momento, buscamos adesão. Tivemos 92% de participação na Série A, 73% na B e 55% na C", conta Jorge Pagura, médico da CBF e presidente da CNMF.
Se juntadas as três divisões nacionais, o engajamento é pouco superior a 70%.
"Eu esperava 100%, já que o sistema é prático e seguro", lamenta Pagura.
A CBF desenvolveu um formulário virtual, chamado Sistema de Mapeamento de Lesões. O uso é restrito. Apenas o chefe médico de cada clube recebe a senha de acesso.
Nele, é possível apontar o local e a gravidade da lesão, se foi em treino ou jogo, se o problema diagnosticado é reincidente e até o período do dia em que ocorreu —entre outras subcategorias.
As fichas enviadas pelo sistema são criptografadas e acessadas somente pela equipe da CNMF. Existe um acordo de confidencialidade para que dados individuais não sejam expostos em público.
Apesar disso, o procedimento ainda não se tornou rotina em boa parte dos departamentos médicos de clubes do país. A falta de engajamento maior gerou inconsistência nos números finais.
O presidente da CNMF não condena colegas de profissão nem acha que houve dano aos primeiros resultados, mas reconhece que fazer disso hábito nos clubes é um desafio.
"Ainda faltam engajamento e, às vezes, condição para ajudar. Tem clube que não preencheu o formulário completo ou não enviou dados de todas as 38 rodadas. Atingir 100% de adesão amplia o universo e cria uma base de dados infalível", diz Pagura.
Além de reforçar o apoio à pesquisa em encontros casuais e reuniões da CNMF, ele criou um grupo de WhatsApp com mais de 80 médicos do esporte, para agilizar e ampliar a rede de contatos.
"Não há uma rigidez. Eu só peço para preencher os dados antes do início da rodada seguinte. Entendo que a adesão precisa ser incutida, mas ainda há muita rotatividade nos departamentos médicos dos clubes", diz.
RESULTADO INCOMPLETO
Se por um lado faltou participação unânime dos médicos para basear o estudo pioneiro, por outro a CBF divulgou os resultados de maneira muito superficial.
O site da entidade informa o que chama de "números completos" da pesquisa. São quatro tabelas. A primeira aponta os locais do corpo afetados. As outras mostram quais tipos de lesão ocorreram nas três partes mais suscetíveis da anatomia dos jogadores nacionais.
"Listam o tipo de lesão e distribuem em diferentes partes do corpo. No entanto, não fornecem dados sobre os riscos", lamenta o sueco Jan Ekstrand, PhD em medicina esportiva e chefe do Grupo de Estudo de Lesões da Uefa, que analisou a pesquisa brasileira a pedido da Folha.
De acordo com a parte pública do estudo, 299 lesões foram registradas nas partidas da Série A do Brasileiro de 2016. A parte do corpo mais afetada foi a coxa, com 127 casos (42%), com frequência maior de lesão muscular: 68, ou 53% do total.
Na temporada 2015/16, segundo a Uefa, o índice total de lesões na coxa em 29 clubes da Europa foi de 30%.
Mas o dossiê da entidade internacional chegou a esse resultado utilizando base de dados mais ampla. Engloba partidas e treinos, classifica lesões não só por tipo, mas também por nível de gravidade ou ocorrências mês a mês, entre outros parâmetros.
O conteúdo divulgado do estudo brasileiro carece desse detalhamento.
"Para calcular riscos em treinos e jogos, precisam considerar o fator de exposição. Não há informação sobre o mecanismo por trás das lesões ou como elas podem ser evitadas", completa Ekstrand, que coordena desde 2001 a mais conceituada pesquisa sobre prevenção a lesões.
Questionado, Pagura atribuiu a divulgação incompleta a um erro de comunicação e prometeu liberar um relatório mais robusto em breve.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Coxa e cabeça são os locais de lesão mais comuns no Campeonato Brasileiro, segundo estudo da CBF |
DADOS ALIADOS
Mais do que dar suporte estatístico, os estudos sobre incidência de lesões em jogadores formam base para que comissões técnicas autoavaliem seus métodos de trabalho. A opinião é unânime entre os médicos ouvidos pela Folha.
"Em cima de tendências, os clubes podem se mobilizar para prevenção ao longo da temporada. No futuro, torna-se um parâmetro importantíssimo", atesta Gustavo Magliocca, médico do Palmeiras.
Sinônimo de excelência na Europa, o Bayern passou por grave crise interna por conta de atritos entre comissão técnica e médicos. O motivo: lesões.
Em momentos da temporada 2015/16, o time alemão chegou a ter só 14 jogadores saudáveis à disposição. Não conseguia completar o banco de reservas.
O caso dividiu opiniões entre especialistas. Havia quem apontasse negligência médica. Outros questionavam os treinos de Pep Guardiola, que estariam sobrecarregando o elenco.
Para estancar a sangria, o Bayern demitiu o médico Hans-Wilhelm Muller-Wohlfahrt, que trabalhou no clube por 38 anos. Guardiola sairia meses depois para o Manchester City.
No Brasil, a rotatividade nos departamentos médicos costuma ser maior, em especial nos clubes com estrutura mais limitada.
"Temos a cultura de que departamento médico é despesa. O DM está lá para preservar o atleta. Jogador machucado traz prejuízo ao clube. Investir em prevenção deixa o futebol ainda melhor como negócio", diz André Pedrinelli, chefe do departamento de medicina esportiva do Hospital das Clínicas-SP.
Até a arbitragem pode beneficiar-se dos estudos de lesões. A Fifa usou desse tipo de levantamento para cobrar rigidez dos juízes em lances que podem culminar em trauma facial, como o uso excessivo do braço na disputa de bola.
Na Copa de 2014, houve queda de 75% em traumas faciais em relação ao Mundial anterior.
No Brasileiro de 2016, foram 29 lesões sofridas na cabeça ou na face, a segunda maior incidência.
O uso de análise de vídeos nos jogos e a criação de protocolos preventivos de atendimento no campo, como já ocorrem na NFL, a liga profissional de futebol americano, são vistos como passos adiante para aperfeiçoar a prevenção de lesões no futebol.
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