Cadeia
não é lugar de drogado
A pena
para o consumidor de drogas ilícitas é de seis
meses a dois anos de prisão. Mas uma decisão
do Ministério da Justiça está, na prática,
abolindo essa punição. É que o órgão
vai patrocinar uma experiência para que os dependentes
recebem tratamento medico e fiquem livres do risco de acabar
numa cadeia, misturado a criminosos.
"O
viciado é um problema não da polícia,
mas da saúde pública. Jogá-lo na cadeia,
encarando-o como um delinqüente, não ajuda a ninguém,
a começar pela vítima do vício",
afirma o ministro da Justiça, José Gregori.
Essa visão
está por trás da criação da Vara
da Justiça Terapêutica, a ser inaugurada no próximo
mês em Recife, patrocinada pela Secretaria Nacional
de Justiça e pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Convencido de que o réu não é um traficante,
mas um usuário, o juiz o encaminhará para médicos
especialistas de uma universidade pública, pelos quais
será tratado.
"Se
bem-sucedido, o projeto piloto se estenderá pelo resto
do país", informa Gregori.
Somente
a incompetência administrativa pode ser capaz de comprometer
um projeto como esse, pondo em dúvida a obviedade de
que o dependente não é um criminoso, mas um
doente. Em vários países, constatou-se que o
encaminhamento ao médico é a melhor forma de
evitar a reincidência. No Rio Grande do Sul, juízes
têm visto os viciados como problemas de saúde
e os têm orientado a buscar psiquiatras e psicólogos.
E os resultados colhidos têm sido positivos.
Prender
um viciado, além de ser ineficaz e desumano, acarreta
um gasto para o contribuinte: uma pessoa enjaulada custa por
mês, pelo menos, R$ 700,00.
*
Além
da aprovação do poder público, a proposta
recebeu apoio da Igreja Católica do Brasil, que, neste
ano, lançou a campanha "Vida sim, drogas não"
e criou a Pastoral da Sobriedade.
Quando
a CNBB lança um olhar compreensivo e evita o tom moralista,
o estigma do dependente diminui. "A juventude está
sendo destruída pelas drogas, sobretudo pelo alcool"'
afirma o padre Haroldo Rahm, presidente da Federação
das Comunidades Terapêuticas no Brasil - essa organização
agrega 500 entidades que trabalham com viciados.
Os religiosos
colocaram no mesmo patamar as drogas lícitas, como
álcool, e ilícitas. Até porque as drogas
lícitas são as que mais provocam danos à
saúde pública - o que a sociedade sabe, mas
finge não saber.
Uma peça
publicitária que mostrasse uma jovem, com expressão
de felicidade, fumando um cigarro de maconha provavelmente
provocaria - e com razão - um escândalo.
Mas quase
ninguém se incomoda com um anúncio que veicula
a imagem de um adolescente tomando, na garrafa, uma versão
light de vodca como se bebesse um refrigerante.
*
Um rápido
olhar pelas estatísticas mostra o quanto há
de insensato na falsa informação de que as drogas
ilegais são mais prejudiciais à saúde
pública do que as legais.
Nos Estados
Unidos, ocorrem anualmente 430 mil mortes associadas ao fumo
e mais 100 mil decorrentes do consumo excessivo de álcool.
As drogas ilegais são responsáveis por 16 mil
mortes.
O adolescente
sente-se confuso diante de uma sociedade que permite a publicidade
do cigarro e das bebidas, mas faz da maconha um vilão;
aí passa a não acreditar em nada.
Um número
crescente de especialistas adere à estratégia
da duração de danos - ou seja, substitui-se,
aos poucos, uma droga mais pesada por uma mais leve, alterando
o hábito, No lugar da cocaína, por exemplo,
sugere-se a maconha, transformada em remédio.
"É
fantasioso imaginas que uma boa parte da juventude não
vá fumar maconha", afirma o psiquiatra Dartiu
Xavier Mendonça, responsável pelo programa de
atenção a dependentes da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp).
Mais recomendável,
segundo ele, é ajudar o jovem a não expor perigos,
procedimento semelhante ao empregado para evitar os riscos
provocados pelo excesso de consumo de álcool. "Devemos
informar claramente ao indivíduo que, se ele fuma maconha
e dirige, fica com os reflexos comprometidos e arrisca-se
a sofrer ou provocar um acidente de trânsito",
afirma Dartiu
*
Na dificuldade
em lidar com a questão das drogas reside parte da explicação
para um dos tópicos mais intrigantes da síntese
dos indicadores sociais divulgada na semana passada pelo IBGE:
o aumento do número de mortes de adolescentes por causas
violentas na década de 90.
Aumentou
a renda, diminuiu a taxa de mortalidade infantil, melhorou
a escolaridade. Em poucas palavras, o país está
mais rico, mas, ao mesmo tempo, mais violento - e o problema
atinge em cheio os jovens.
Explica-se
essa violência, em parte, pela disseminação
do uso de drogas, pelo crescimento do crime organizado e pela
ausência do acolhimento e dê tratamento dos dependentes.
Como,
na lógica da estupidez, a dependência de drogas
ilícitas é basicamente um caso de polícia
- ou seja, de repressão -, o que se propões
como cura serve de veneno. É o vício da ignorância
*
PS - Preparei
um dossiê sobre experiências de combate ao consumo
de drogas no Brasil e no exterior. Esse textos estão
à disposiçào no Universo Online: www.aprendiz.org.br
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