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Um bonde chamado desejo

Expulso das ruas em nome da modernidade dos automóveis, o bonde, ícone dos tempos em que os homens andavam de chapéu e as pessoas ainda nadavam no rio Tietê, insinua uma volta triunfal à cidade de São Paulo.

Adquirido de um colecionador, um bonde, movido a eletricidade, prepara-se para voltar aos trilhos ainda este ano, percorrendo cerca de dois quilômetros de extensão e, pelo menos, cem anos de história.

Conforme o trajeto escolhido pela Secretaria Estadual da Cultura, os passageiros deverão sair da Sala São Paulo, sede da Orquestra Sinfônica Estadual, passar pela futura Faculdade de Música (ex-Deops, hoje em reforma), seguir pelo parque da Luz e entrar na avenida Tiradentes, na altura do Museu de Arte Sacra. Na volta, o bonde vai circundar a Pinacoteca do Estado em direção à estação da Luz, que deverá abrigar um centro de língua portuguesa.

Animado pelo resgate nostálgico combinado com a ampliação das calçadas, Maurício Faria, presidente da Emurb (Empresa Municipal de Urbanismo), órgão da prefeitura, jogou nos trilhos uma imagem tão atraente quanto ousada: criar passagens subterrâneas para os automóveis e construir, na parte de cima, uma praça semelhante à do Anhangabaú.

Como para sonhar não se paga imposto, o que se pretende é desenhar uma rede de corredores, entremeados por praças, unindo a Sala São Paulo à Biblioteca Mário de Andrade, passando pelo Masp, pela praça do Patriarca, e pelo novo Centro Cultural Banco do Brasil.

A rota seria marcada, assim, por auditórios, cinemas, praças, cafés, restaurantes, exposições, concertos, palestras, bibliotecas, oficinas, ateliês e salas de aula.

Traduzindo: no coração da cidade, pulsaria arte.

*

Imaginar esse desenho é, por enquanto, apenas um exercício na prancheta de um arquiteto ou em algum jogo eletrônico infantil do tipo SimCity.

Mas o que rabisca aquele desenho -numa visão de curto prazo, exótico e deslocado- é a realidade, reflexo do que ocorre não só em São Paulo mas em todo o país, em particular nas regiões metropolitanas.

Vive-se uma crescente demanda por conhecimento e cultura, os trilhos do novo bonde da história.

*

Quem se dispuser a ler, com um mínimo de isenção, os indicadores sociais divulgados pelo IBGE verá lado a lado a crônica barbárie da miséria combinada com inequívocos sinais de progresso humano.

Um dos mais terríveis reflexos dessa barbárie foi enfatizado, na semana passada, pela divulgação do relatório da ONU, em que se denuncia a banalização da tortura. Estimuladas pela divulgação internacional, entidades defensoras de direitos humanos, em São Paulo, contaram, por exemplo, o caso do vendedor Wander Cosme Cavalheiro, que passou a madrugada suspenso num pau-de-arara, com fios elétricos ligados ao seu pênis e ao seu ânus.

Basta a convivência rotineira com a tortura, da Febem às delegacias, para que estejamos impedidos de reivindicar a condição de nação civilizada.

Como mostram os indicadores, o Brasil ainda vai ser, por muito tempo, um país célebre por conter as mais distintas modalidades de analfabetismo -do funcional, o das pessoas com menos de quatro anos de estudo, ao digital, o dos indivíduos incapazes de conviver com os códigos da modernidade.

Isso não impede, porém, a veloz disseminação de ambientes dedicados às artes, o que, em São Paulo, significa novas áreas de convivência, na falta de áreas públicas decentes.

Três inaugurações já engatilhadas revelam essa velocidade: o Centro Cultural do Banco do Brasil, o Complexo Cultural Ohtake, dedicado às artes cênicas e plásticas, e o teatro Abril, que estréia com a superprodução "Os Miseráveis". Somam-se à efervescência de criação de espaços empreendida, nos últimos anos, pelos bancos Real, Unibanco e Itaú. O surgimento de grandes casas de espetáculos, como o Credicard Hall, e a restauração do teatro São Pedro comprovam essa tendência.

Mesmo lentamente, está em andamento o Centro Cultural dos Correios, no vale do Anhangabaú. Também em articulação está o projeto de converter os cinemas da avenida São João, quase todos abandonados ou falidos, num corredor de musicais.

São movimentos guiados não pela alucinação, mas por uma lógica: a de que o novo bonde da história é conduzido pela era do conhecimento, ou seja, cada vez mais as pessoas valem quanto sabem.

*

Por uma questão de sobrevivência, as cidades com vocação internacional precisam melhorar para nutrir o capital humano. Investir em estética e cultura é a estratégia para atrair talentos e empresas.

Aquele desenho, portanto, é um delírio para os dias atuais, mas uma perspectiva digna de debate.

*

PS - Por falar em estética e urbanismo, Marta Suplicy quer instalar a prefeitura no simbólico prédio do Banespa, no viaduto do Chá. Falou com a direção mundial do Santander, dono do edifício cobiçado. Foi-lhe prometida uma oferta especial. A oferta "especial" é a seguinte: a prefeitura paga uma dívida de R$ 700 milhões que tem com o Banespa. Marta investigou e foi informada de que uma dívida desse tamanho só existe na cabeça dos banqueiros espanhóis; certamente, eles estão tão interessados na estética paulistana como eu estou na estética das touradas. Mas a estupidez é local. Os negociadores da privatização não ouviram o que os amantes da cidade e urbanistas pediam: que os dois prédios símbolos do Banespa fossem preservados. Isso dinamizaria a região histórica, e os edifícios abrigariam o poder político. A imensa maioria das pessoas que têm influenciado os destinos de São Paulo não vive na cidade. Se vive, não gosta. Se gosta, gosta pouco. Se gosta muito, não gosta a ponto de ajudá-la. E, se ajuda, ajuda pouco.

 
 
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