Músico transporta carroça-piano pela cidade para celebrar aniversário de Paulo Leminski
Puxando um piano-carroça, o homem maltrapilho, camiseta amarrada na cabeça, seguia pela rua Bandeira Paulista declamando versos. Incomodava os carros apressados, estacionou a carroça entre dois veículos, quase no meio da rua, tirou o banquinho que estava entre as coisas que carregava, ajeitou-o perto do instrumento e começou a tocar.
É o Indigênio, personagem criado pelo músico Danilo Tomic para essa performance que homenageia o aniversário e a obra do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), que ontem (24/8) completaria 69 anos de vida. Até o próximo ano, o músico e performer perambulará pela cidade declamando e cantando os versos de Leminski uma vez por mês.
Gabriela Romeu/Folhapress | ||
Músico Danilo Tomic transporta carroça-piano pela cidade para comemorar aniversário do poeta Paulo Leminski |
A performance partiu da rua Bandeira Paulista, esquina com a Joaquim Floriano, no Itaim Bibi, passou por ruas de casarões como a Alemanha e chegou ao MIS (Museu da Imagem e do Som), na avenida Europa. No percurso, muitas vezes o carroceiro poeta passou um tanto invisível, apesar da carroça paramentada. Parecia mais um entre muitos que vagam pelas ruas.
"Eu faço parte daquele tipo de gente que acha que a rua é a principal parte da cidade", diz dirigindo-se a uma menininha intrigada com a carroça que trazia versos pichados, mala pendurada, um telefone vermelho, aviãozinho feito de lata de refrigerante e um adesivo do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, entre outros objetos de seu inventário poético.
"É um doente, um maluco", comentou um morador de rua, que falava sozinho, rabiscando jornais velhos. Ele se identificou apenas como Francisco e assistia despreocupadamente a Indigênio tocar seu piano do outro lado da calçada. "Mas é boa a música dele", completou, quando interrogado pela repórter.
Se a cidade nem sempre percebe Indigênio, ele observa quem passa. Quando uma criança se aproxima, pega os papéis amassados entre os pertences de sua carroça e lê os versos de "A Lua no Cinema" - "A lua foi ao cinema / passava um filme engraçado, / a história de uma estrela / Que não tinha namorado." "A poesia de Leminski magnetiza as pessoas", diz Danilo Tomic.
Tomic, que criou o performance em parceria com o artista plástico Paulo von Poser em 2006 durante as Satyrianas, na praça Roosevelt, em São Paulo, explica que o Indigênio é um pianista indigente. Inspirado no livro póstumo "Ex-Estranho" (1996), ele é também um ex-tudo --ex-músico, ex-pianista, ex-maestro. "Leminski defendia a poesia nas ruas", diz o músico.
A expressão "ex-estranho", que aparece no poema "Ópera fantasma", publicado no também livro póstumo "La Vie en Close" (1991), está pichado no piano - "Nada tenho. / Nada me pode ser tirado. / Eu sou o ex-estranho, / o que veio sem ser chamado / e, gato, se foi / sem fazer nenhum ruído.". Também estão ali versos do poema que leva o nome de "Ex-estranho": "O passageiro solitário / o coração como alvo, / sempre o mesmo, ora vário, / aponta a seta, sagitário, / para o centro da galáxia".
Tomic compôs cerca de 30 músicas a partir da obra do poeta, também crítico literário, tradutor judoca faixa-preta. Há composições para os poemas "Tanto Faz", "O Ex-estranho", "Campo de Sucatas" e "Sei Lá", entre outros que vão surgindo durante a performance, que já tem data marcada para os dois próximos meses. O músico planeja percorrer o Minhocão num domingo (22/9) e circular entre transeuntes e moradores de rua da Sé (26/10).
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