E se todo mundo tivesse o mesmo nome? Leia texto de Eugène Ionesco
Já pensou como seria a nossa vida se todo mundo tivesse o mesmo nome?
O teatrólogo e romancista Eugène Ionesco (1909 - 1994) escreveu sobre essa situação engraçada. O texto foi publicado em 15 de maio de 1988, na "Folhinha".
- No aniversário de 50 anos, 'Folhinha' relembra sua história e tenta prever o futuro
- Clarice Lispector, Gilberto Freyre e outros nomes ilustres escreveram para a 'Folhinha'
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MUITAS JACQUELINES NESSE CONTO DE MORRER DE RIR
Tradução Heloisa Bras de Oliveira Prieto
Josette tem trinta e três meses de idade e já é uma menina grande. Certa manhã do jeito que faz todas as manhãs, Josette caminha com seus passinhos ligeiros até a porta do quarto de seus pais. Ela tenta abrir a porta, empurrando-a feiro um cachorrinho. Então, perde a paciência e dá um grito, acordando seus pais, que fingem não ouvir nada.
Neste dia especial, o papai e a mamãe estão cansados. Ontem à noite foram ao teatro; então, depois do teatro foram a uma danceteria. E agora estão com preguiça. E não é bom para os pais se sentirem assim...
A empregada perde a paciência também. Ela abre a porta do quarto e diz:
- Bom dia, madame, bom dia, senhor, olhe aqui os cartões postais que o senhor recebeu, olhe aqui o seu café com creme e açúcar, olhe aqui o suco de frutas, olhe aqui os bolinhos, olhe aqui as suas torradas, olhe aqui a sua manteiga, olhe aqui a sua geleia de laranja, olhe aqui a geleia de morango, olhe aqui o seu presunto, e olhe aqui a sua filhinha.
Os pais sentem náuseas, porque (para dizer a verdade), depois da danceteria foram a outro restaurante. Eles não querem beber o café, não querem as torradas, não querem os bolinhos, não querem o presunto, não querem os ovos, não querem a geleia de laranja, não querem o suco de frutas, não querem a geleia de morango (que nem é de morango, mas de laranja).
- Dê tudo isso à Josette - diz o papai à empregada -, e traga-a de volta para nós assim que ela tiver terminado de comer.
A empregada pega a menininha no colo. Josette esbraveja. Mas como ela está faminta, consola-se na cozinha comendo a geleia da mamãe, a galeia do papai, e os dois bolinhos. Daí então, ela toma o suco de frutas.
- Ah, mas que monstrinha! - diz a empregada. - Você tem os olhos do tamanho da barriga.
Para ajudar a menina (para que ela não fique enjoada), a empregada toma o café e come os ovos e o presunto - e um pouco de arroz com leite, que sobrou de ontem a noite.
Enquanto isso, o papai e a mamãe caem no sono de novo e começam a roncar. Mas não por muito tempo. A empregada traz Josette de volta para o quarto.
- Papai, Jacqueline... diz Josette. Jacqueline comeu o seu presunto.
- Não faz mal - diz papai.
- Papai - diz Josette - me conte uma história.
E enquanto a mamãe dorme, (porque ela está exausta de tanto comemorar) papai conta uma história a Josette.
- Era uma vez uma menininha chamada Jacqueline.
- Igual à Jacqueline? - pergunta Josette.
- É - diz papai -, mas não era esta Jacqueline daqui. Jacqueline era uma menininha. Ela tinha uma mamãe chamada Dona Jacqueline. O seu pai se chamava "Seu" Jacqueline. A Jacquelininha tinha duas irmãs que se chamavam, as duas, Jacqueline, e dois primos que se chamavam Jacqueline e uma tia e um tio que se chamavam Jacqueline.
O tio e a tia tinham algumas amigos chamados Senhor e Senhora Jacqueline, que tinham uma filhinha chamada Jacqueline e um filhinho chamado Jacqueline. A menininha tinha três bonecas que se chamavam Jacqueline, Jacqueline e Jacqueline. O menininho tinha um amigo chamado Jacqueline e uns cavalinhos de madeira chamados Jacqueline e uns soldadinhos de brinquedo chamados Jacqueline.
Um dia a Jacquelininha foi ao parque com seu pai Jacqueline e sua mamãe Jacqueline.
Ah, mas que monstrinha! - diz a empregada, - você tem olhos do tamanho da barriga.
Para ajudar a menina (para que ela não ficasse enjoada), a empregada toma o cafée come os ovos e o presunto - e um pouco de arroz com leite, que sobrou de ontem à noite.
Enquanto isso o papai e a mamãe caem no sono e começam a roncar. Mas não por muito tempo. A empregada traz Josette para o quarto.
- Papai, Jacqueline... diz Josette. Jacqueline comeu o seu presunto.
- Não faz mal - diz papai.
- Papai - diz Josette - me conte uma história.
E enquanto a mamãe dorme, (porque ela está exausta de tanto comemorar) papai conta uma história a Josette.
- Era uma vez uma menininha chamada Jacqueline.
- Igual à Jacqueline? - pergunta Josette.
- É - diz papai -, mas não era esta Jacqueline daqui. Jacqueline era uma menininha. Ela tinha uma mamãe chamada Dona Jacqueline. O seu pai se chamava "Seu" Jacqueline. A Jacquelininha tinha duas irmãs que se chamavam, as duas, Jacqueline, e dois primos que se chamavam Jacqueline e uma tia e um tio que se chamavam Jacqueline.
O tio e a tia tinham algumas amigos chamados Senhor e Senhora Jacqueline, que tinham uma filhinha chamada Jacqueline e um filhinho chamado Jacqueline. A menininha tinha três bonecas que se chamavam Jacqueline, Jacqueline e Jacqueline. O menininho tinha um amigo chamado Jacqueline e uns cavalinhos de madeira chamados Jacqueline e uns soldadinhos de brinquedo chamados Jacqueline.
Um dia a Jacquelininha foi ao parque com seu pai Jacqueline e sua mamãe Jacqueline. Lá ela se encontrou com os amigos, os Jacquelines, com o filhinho deles, o Jacqueline, com as bonecas Jacqueline, Jacqueline e Jacqueline.
Enquanto o papai conta ahistória à Josette, entra a empregada.
- O senhor vai deixar essa crianças maluca. Diz ela.
- Jacqueline, você vai fazer compras? - diz Josette à empregada. (Lembrem-se, a empregada também se chama Jacqueline.) Josette sai para fazer comprinhas com a empregada.
Papai e mamãe caem no sono de novo porque estão muito cansados. Ontem à noite, foram a um restaurante, a uma danceteria e depois a um restaurante outra vez.
Josette entra numa loja junto com a empregada, onde encontra uma garotinha que está com os pais. Josette diz:
- Você quer brincar comigo? Qual o seu nome?
A garotinha diz:
- O meu nome é Jacqueline.
- Eu sei, diz Josette, sua mãe se chama Jacqueline, sua boneca se chama Jacqueline, sua casa se chama Jacqueline, seu peniquinho se chama Jacqueline...
Então, o dono da mercearia, sua mulher, a mãe da garotinha e todos os fregueses da loja viraram-se na direção de Josette e a encararam com enormes olhos arregalados.
- Não é nada - diz a empregada calmamente. Não se assustem. Isso são as histórias malucas que o pai conta para ela.
Eugène Ionesco, 76, nasceu na Romênia, que fica no leste da Europa e mora em Paris. É teatrólogo e romancista. Foi criador do teatro do absurdo.
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