ILUSTRADA 50 ANOS: 1967 - Flavio de Carvalho, o iconoclasta
"Acho que esse prêmio demorou a chegar. Não quero, com isso, dizer que já devia ter muitas medalhas e diplomas. No entanto, considerando os muitos anos que dedico à arte, e comparando-me com tanta gente por aí, a ganhar troféus a três por dois, confesso que já andava um tanto desiludido", diz Flavio de Carvalho, o artista brasileiro que está, agora, entusiasmado com o prêmio Bienal de São Paulo que o júri lhe atribuiu.
Flavio ficou muito mais entusiasmado ao saber que também era seu o prêmio de Ncr$ 3.000,00 destinado ao melhor pintor brasileiro da Bienal. E diz que "agora parece que as coisas vão entrar nos eixos", recordando-se de que o único prêmio que conseguiu, em toda a sua vida, foi um de arquitetura.
Por não ter tido tempo para ver todas as obras expostas no Ibirapuera, o artista brasileiro preferiu não comentar os trabalhos dos demais expositores. Diz, contudo, estar certo de que todos "irão encontrar muitas surpresas, porque muitos seguem a moda e fazem coisas que podem ser tudo, menos arte. Valem como experiência, como pesquisa. Arte mesmo --diz-- não é nada daquilo".
19.out.1951/Folha Imagem |
Crítico de arte Mário Pedrosa, diretor do Museu de Arte Moderna, durante encontro com Flávio de Carvalho e Jacques Lassaigne |
O artista
Flavio Rezende de Carvalho é um dos maiores desenhistas que o Brasil já teve. Na vida civil, um simples engenheiro que diz, de boca cheia, ter tirado o curso de engenharia numa universidade Inglesa 'quase por acaso'. Isso define a simplicidade do homem de 67 anos, que sempre se notabilizou por seu inconformismo radical e que agora acaba de ser distinguido com um dos importantes prêmios da 9º Bienal de São Paulo.
Flavio de Carvalho fez do escândalo uma ética experimental, saindo à rua em trajes que as convenções sociais dizem ser impróprios, para auscultar a reação das massas. Enfrentou uma procissão católica de chapéu na cabeça e, uma vez mais, quase é destruído fisicamente pela ira estabelecida. Flavio nunca recua, não se amedronta.
Dessas experiências-limites que levou para a Europa, tentando impor a sua utópica roupa de náilon com saiote, as sandálias como comodismo para o homem de corpo normal em pleno verão e, ao mesmo tempo, como meio de relaxar as tensões da guerra fria, Flavio tirou material de reflexão para vários livros que intitulou "Experiência nº 2 - Psicologia das Multidões", "Os Ossos do Mundo - Observações Mórbidas de Viagem" e "L'Aspect Psicologique et Morbide de L'Art Moderne" --este publicado em Paris.
Ideologicamente, o artista pode ser considerado como o último representante da geração da Semana de Arte Moderna, dessa maneira existencial que unia o escândalo, a blague, o "poema-piada" e o curto-circuito da significação escrita da poesia ou da prosa como o caminho mais curto para a implantação dos novos valores artísticos.
Pintura
Flavio de Carvalho é um grande artista plástico, extremamente versátil. O desenho, seja com a caneta-tinteiro, o lápis ou a nanquim, é a espinha dorsal do seu figurativismo. Sempre se opôs à pintura abstrata que considera de retaguarda, porque ela repete técnicas de despojamento formal do homem da pré-história. Tem especial predileção pelo nu, tema que tem sido objeto de repetidas exposições suas. O corpo humano é uma das obsessões mais eficazmente resolvidas pela sua técnica desenhística. Ora incide sob os corpos através de um traço expressionista capaz de sugerir admiravelmente a miséria de desgraça física, ora capricha em fixar psicologicamente certos rostos através de um traço barroco sutil. Um dos seus trabalhos mais célebres é a série de estudos que o artista realizou sobre a agonia de sua mãe, e que hoje pertence ao Museu de Arte Moderna.
Livraria da Folha
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