Em filme, filho de Pablo Escobar faz pedido de desculpas a vítimas
Quando foi informado por uma jornalista de que o pai havia morrido numa perseguição policial, em 2 de dezembro de 1993, Juan Pablo Escobar disse em alto e bom som que buscaria vingança. A gravação está no documentário "Pecados de Mi Padre" (pecados do meu pai), do cineasta argentino Nicolas Entel, que estreia no Rio e em São Paulo em 7 de maio, em circuito ainda a ser definido.
Porém, diferentemente do que o início do filme anuncia, o que se vê é, nos dias de hoje, um homem de 32 anos tentando reparar os males cometidos por Pablo Escobar (1949-1993), mítico líder do Cartel de Medellín, grupo criminoso que, nos anos 80, chegou a controlar 80% do tráfico mundial de cocaína.
Juan Pablo diz à câmera que, se tivesse escolhido seguir os passos do pai, estaria morto. Por isso preferiu se afastar do crime, mudar de nome e de país. Hoje chama-se Sebastián Marroquín, é arquiteto, vive em Buenos Aires e ficou sem voltar à Colômbia por 15 anos.
Nicolas Entel contou à Folha que, ao iniciar o filme, não fazia ideia do quanto Juan Pablo falaria, mas seu objetivo, de todo modo, era não fazer um documentário tradicional. "Eu queria a história de Pablo Escobar contada pelo ponto de vista do filho. No começo foi difícil, ele não queria criticar o pai. Aos poucos foi se soltando", diz.
Em dado momento das filmagens, Juan Pablo decidiu dar um passo além e fazer um movimento de aproximação aos filhos de duas vítimas importantes do pai. Entel organizou, então, um encontro dele com os descendentes de Rodrigo Lara Bonilla, ministro da Justiça assassinado em 1984, e com os de Luis Carlos Galán, candidato à Presidência da Colômbia, morto em 1989.
Entel reuniu ainda fotos e gravações que dão ideia da vida familiar do traficante, cercado de luxo, dos filhos e da mulher. Impressionantes são as imagens de La Catedral, cadeia que ele mesmo projetou para ir preso após negociação com o governo colombiano.
O diretor também resgata a última conversa telefônica entre pai e filho. Foi a partir do rastreamento dessa chamada que a polícia localizou Escobar e o perseguiu sobre telhados de casas em um bairro de Medellín, até finalmente matá-lo.
O filme levantou debate na Colômbia. "A discussão sobre Escobar lá é difícil. Os crimes são conhecidos, mas as coisas boas que fez estão na memória de muita gente. Parece que o país não está preparado para falar dele", diz Entel.
Na época da estreia, houve quem levantasse a suspeita de que Juan Pablo não é tão inocente como mostra a película e que talvez tivesse participado de certas atividades do cartel.
Arquivo Hugo Martinez | ||
O narcotraficante Pablo Escobar, após ser preso, em 1976; filho do colombiano faz pedido de desculpas em filme |
FOLHA - Qual foi sua primeira reação à ideia do filme? Por que decidiu falar depois de tanto tempo?
ESCOBAR - Eu não tinha mais motivo para me esconder. Queria compartilhar minha experiência com as novas gerações, para inspirá-las a se absterem de entrar no mundo violento do narcotráfico. É uma história que vale a pena contar para que não se repita.
FOLHA - No filme podemos ver que não faltou nada em sua infância. Como foi tomar consciência aos poucos do que se passava e de quem realmente era seu pai?
ESCOBAR - Minha vida esteve cheia de paradoxos. Tive muito e não pude desfrutar, porque sempre estávamos fugindo de algo ou de alguém. Tínhamos dinheiro, mas não liberdade. Em certa ocasião, tivemos muito dinheiro na mão, mas literalmente estávamos morrendo de fome, porque ninguém podia ir ao supermercado.
Ou seja, o valor daquele dinheiro era relativo, e eu não podia ignorar essas lições de vida. Meu pai foi o criador de sua própria realidade, ainda que também tenha contado com a cumplicidade de muitos outros setores da sociedade para chegar aonde chegou.
FOLHA - Seu pai alguma vez lhe falou de Lara ou de Galán?
ESCOBAR - Quando Lara foi assassinado a mando do meu pai, eu tinha sete anos. Com essa idade, seus pais não lhe contam o que acontece em casa nem lhe falam sobre as decisões que tomam na vida.
FOLHA - Que opinião crê que seu pai teria se pudesse ver esse filme?
ESCOBAR - Quando ele se entregou para ser preso em La Catedral, dedicou o momento a, entre outros, seu "filho pacifista de 14 anos", ou seja, eu. Por isso tenho certeza de que estaria orgulhoso por eu ter escolhido a paz e recusado a violência. Ele sabe que eu nunca o abandonei em vida, que eu o respeitei, apesar de que nunca deixei de criticá-lo pela violência indiscriminada que cometia contra o país.
Meu pai era um homem que estava cheio de justificativas para a violência. Mas creio que estaria feliz de ver o documentário, apesar da triste realidade que está ali refletida.
FOLHA - Você ficou muito nervoso antes de encontrar os filhos de Lara e Galán? Como se sentiu?
ESCOBAR - O nervosismo para a primeira reunião com Rodrigo Lara, em Buenos Aires, começou logo no momento em que eu o vi. Comecei a tremer de forma incontrolável. Para a segunda reunião, com todos os filhos, senti uma dor abdominal de proporção incomensurável.
FOLHA - Como é seu dia a dia hoje na Argentina?
ESCOBAR - Levo uma vida normal. Sem luxos, pois da fortuna não sobrou nada. Todos os bens de meu pai estão confiscados e em mãos dos políticos --e não das vítimas, como deveria ser.
Desenho casas e edifícios para a Argentina e outras partes do mundo. Estou casado com a mulher que amo e que deu tudo por mim e por minha família. Vivo em um apartamento alugado e me sinto mais milionário do que antes, porque sou um homem livre que segue apostando por ser reconhecido como indivíduo e como filho de Pablo Escobar, mas não como seu cúmplice.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade