Em "Tio Vânia", grupo Galpão reflete sobre maturidade
O encontro do grupo Galpão com a obra de Anton Tchékhov (1860-1904) calcificou-se quase como um acidente na recente trajetória da companhia mineira.
A estreia da peça "Tio Vânia" na próxima sexta no Festival de Curitiba, indica um toque do acaso.
O Galpão não pretendia encenar o autor russo quando Yara de Novaes, atriz e diretora que também é de Minas, foi chamada para dirigir uma nova montagem. "A ideia era fazer [o inglês] Harold Pinter, mas não conseguimos os direitos."
Rondava essa parceria a vontade de encenar um texto psicológico, portanto. Um drama faria contraponto à última montagem do grupo, "Till - A Saga de um Herói Torto", espetáculo de rua que transitava no campo das comédias burlescas.
Tchékhov parecia estar engatilhado. O grupo havia se aproximado de sua obra em uma experiência para o cinema assinada por Eduardo Coutinho: "Moscou" (2009) documentou uma montagem de "As Três Irmãs" que nunca foi a público.
A segunda opção foi rever uma adaptação de "Tio Vânia" assinada pelo argentino Daniel Veronese. A terceira tentativa foi adaptar a peça em processo colaborativo com todo o elenco. E a quarta, enfim, foi levantar o texto tal qual ele veio ao mundo.
Novaes também atribui esse encontro a um sentimento de maturidade que ronda uma companhia com quase 30 anos de existência _boa parte de seus atores já passou a casa dos 40. "'Tio Vânia' traz questões de quem vive essa idade", ela reitera.
Que questões seriam essas? A percepção da passagem do tempo? Também, ela diz. Tio Vânia é um sujeito que se dedicou a um projeto familiar que vai ruir diante de seus olhos. A história culmina em um vazio existencial acentuado pela chuva ininterrupta que aprisiona os personagens na casa de uma fazenda no segundo ato.
Guto Muniz/Divulgação | ||
Os atores Antonio Edson(Tio Vânia, à frente), Fernanda Vianna, Arildo de Barros e Mariana Lima Muniz na peça |
FELICIDADE DISTANTE
O Galpão, no entanto, procura uma leitura menos fatalista. O russo Jurij Alschitz, que vai dirigir adaptações de contos de Tchékhov com a companhia, derrubou alguns mitos sobre a obra, afirma Novaes.
"Ele nos fez ver que não há só excesso de melancolia em Tchékhov. E não há necessariamente a representação de um tempo estacionado."
A leitura da diretora reitera um contraponto: os personagens de "Tio Vânia" estão todos em busca de felicidade, ainda que ela seja representada como um ponto distante e quase inalcançável.
Uma casa animada, cujos pilares se deslocam no palco italiano, faz com que o espaço cênico funcione como um último personagem. "É um lugar decadente, que não se sustenta", descreve Novaes.
Com suas goteiras e móveis velhos, essa casa simboliza também "algo que não se sustenta".
A figuração se faz de modo incompleto (com paredes interrompidas), mais uma quebra na ideia de que o realismo seja algo fundamental na obra de Tchékhov.
O jornalista GUSTAVO FIORATTI viajou a convite do Festival de Curitiba
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