Leia outros depoimentos do cartunista Jaguar
Leia outros dois depoimentos marcantes do cartunista Jaguar, 80 anos.
'Fui corneado por meu fígado', diz cartunista Jaguar
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PROTESTO NA ABL
Contra a eleição de Roberto Campos para a cadeira de Dias Gomes, em 1999 e a Marcha dos 100 mil
"O [escritor e dramaturgo] Dias Gomes [1922-1999] era meu amigo, um cara formidável, boa praça, aí o [economista] Roberto Campos [1917-2001] foi eleito para a vaga dele e eu disse que, se ele entrasse, eu ia lá jogar ovos.
O [Arnaldo] Niskier [então presidente da ABL], que é um bom sujeito, disse que eu não ia ter coragem. Aí f**, né? Fui numa loja, aluguei uma fantasia de dom Pedro 1º que o Tarcísio Meira usou num filme. Fui para o Vilarino [restaurante em frente à ABL] e fiquei lá tomando coragem e uísque. Aí peguei seis ovos cozidos, ia jogar na escadaria, fiquei de frente para os seguranças, a imprensa toda ali, e eu pensando como faria. Joguei os ovos delicadamente contra a parede, eles caíram no chão e nem quebraram. Aí veio um faxineiro e me perguntou se podia ficar com eles. Essa foi minha única participação num protesto.
Ah, também participei da Marcha dos 100 mil [em junho de 1968, no Rio], mas não saí na foto. Eu estava na frente, com aquele pessoal todo que saiu na foto, mas estava com uma militante muito bonitinha do meu lado, de mãos dadas, e convidei ela para tomar uma caipiríssima ali naquele boteco em frente ao Rival [teatro na Cinelândia, centro do Rio], e aí não saí na foto. Preferia ter saído na foto, porque ela acabou não dando pra mim."
A PRISÃO
Com os companheiros de "O Pasquim", em 1970
"Eu tinha uma casinha em Arraial do Cabo [litoral do Rio] e passava meses lá, só vinha aqui para fazer o fechamento do 'Pasquim' e voltava. Um dia cheguei no meu jipe e todo mundo me via e dizia: 'Jaguar, você não foi preso, não?'. E eu: 'Preso por quê?'. 'Se esconde, rapaz, tá todo mundo preso.' Aí eu acabei me escondendo num lugar agradabilíssimo e impossível de descobrir, a casa do pior inimigo dos subversivos e de qualquer coisa que fosse moderna, o [jornalista e apresentador] Flávio Cavalcanti [1923-1986].
Você vê como é o Brasil, graças a Deus nada funciona direito. Estava na minha mordomia, tomando o uísque escocês do Flávio Cavalcanti, quando toca o telefone, era o Paulo Francis.
Ele me disse: 'Jaguar, é o seguinte, você não vai se entregar, não?'. E eu: 'Eu? Por que eu vou me entregar?'. 'Nós todos estamos presos, menos você e o Millôr. Tá todo mundo te esperando.' Eu disse: 'Mas, ô Francis, eu tô muito bem aqui, com a Leila Diniz, tomando uísque, vou aí pra quê, vai resolver alguma coisa eu estar preso com vocês, pô? Me tira dessa'. Aí ele me disse uma coisa fatídica: 'A sua consciência responde. Pergunte a sua consciência se você deve ficar com seus companheiros ou não'.
Eu desliguei o telefone e falei 'filho da puta' [risos]. Eu estava com o [diretor teatral] Flávio Rangel [1934-1988], que nem estava sendo procurado, mas era todo heroico e disse que ia também. Pegamos um táxi, eu fui possivelmente o único preso político do Brasil que pagou para ser preso, paguei uma nota preta de táxi até a Vila Militar. Quando cheguei na porta do quartel, mandei voltar e parar no primeiro boteco. Tomei um copo inteiro de cachaça e me apresentei. Fiquei três meses preso que nem um idiota lá dentro. A partir daí, aposentei minha consciência."
Livraria da Folha
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