Crítica: Falta psicodelia a montagem atual de "Bonifácio Bilhões"
"Bonifácio Bilhões" é uma comédia de costumes tipicamente brasileira. Escrita e encenada por João Bethencourt em 1975, combina a representação de tipologias sociais e o tom de protesto político.
A montagem em cartaz dirigida por Ernesto Piccolo mantém-se fiel à caracterização setentista em relação aos aspectos visuais.
Os matizes de psicodelismo explorados com beleza no cenário e figurino, no entanto, não se extrapolam para a iluminação --praticamente invariável-- e para a trilha sonora, que abre com "Whole Lotta Love", do Led Zeppelin, e depois desaparece da peça.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Iara Jamra, Thiago Chagas (centro) e José de Abreu em cena da montagem "Bonifácio Bilhões" |
Essa platitude cênica atrela em demasia a eficácia do espetáculo à interpretação do elenco.
Na trama, Walter (José de Abreu), um economista de verve pretensamente socialista, ganha um prêmio de quase 4 bilhões de cruzeiros, mas, ao contrário do prometido na fila da lotérica, não divide a bolada com Bonifácio (Thiago Chagas, substituindo o ator Tadeu Mello).
Os dois antagonistas alcançam boas tiradas cômicas. Por meio de sua dicção vigorosa, José de Abreu executa com retidão a maledicência do personagem. Thiago Chagas concentra seus esforços na pantomima e nas expressões faciais clownescas.
Brilham individualmente, entretanto falta convergência na interação entre ambos.
O embate dialético presente na dramaturgia em muitos momentos não se converte em disputa dialógica no palco. As improvisações isoladas, por sua vez, são sagazes e cheias de graça.
A carência de direção, porém, fica patente na performance de Iara Jamra para Alzira, mulher de Walter. Salta aos olhos a falta de sensibilidade histriônica no registro construído para sua personagem.
Gestualidade infantilizada e vocalização caricaturesca não são condição sine qua non para a comédia, e o potencial dramático da atriz vê-se reduzido a um simulacro de seus papéis televisivos consagrados.
Com uma sequência de peripécias e desenlaces na segunda metade, a montagem ganha dinâmica e a comicidade inerente do texto fica mais saliente.
Os três atores evoluem bastante na parte final, quando transcendem as performances individuais em prol de respostas miméticas mais entrosadas.
BONIFÁCIO BILHÕES
QUANDO sex., às 23h; sáb. e dom., às 20h
ONDE Teatro Gazeta (av. Paulista, 900, térreo; tel 0/xx/11/3253-4102)
QUANTO R$ 50 (sáb., R$ 60)
AVALIAÇÃO regular
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