'Meu museu é uma pedra no sapato do MoMA', diz arquiteto Tod Williams em São Paulo
Tod Williams é um dos arquitetos mais respeitados hoje nos Estados Unidos. E também um dos mais preocupados. Depois de ser premiado pela nova sede da Fundação Barnes, um museu em Filadélfia, Williams se esforça para salvar seu American Folk Art Museum, em Nova York, da demolição.
Construído num lote exíguo ao lado do gigantesco Museu de Arte Moderna, o MoMA, seu museu dedicado à arte indígena e de artistas autodidatas, está ameaçado de demolição desde que foi comprado pelo MoMA, que quer expandir sua área expositiva e conta com o terreno ao lado para tanto.
Desde que foram anunciados os planos, uma grita tomou conta da comunidade de arquitetos em Nova York para defender o prédio, obrigando o MoMA a rever seus planos de destruição. Williams, que desenhou o prédio com Billie Tsien, está agora em São Paulo para participar do congresso Latitudes, organizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Ele dará uma palestra nesta sexta (14) às 18h no auditório da FAU, onde pretende apresentar seu projeto da Fundação Barnes. Mas antes, ele falou à Folha. Leia a seguir trechos da entrevista.
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Folha - Em sua palestra hoje você deve falar sobre o projeto da Fundação Barnes. Por que escolheu essa obra como resumo da sua carreira?
Tod Williams - É um assunto muito rico, além de ser uma obra recente. É um projeto maduro também. Poderia falar sobre qualquer projeto, mas esse é a culminação de muitos anos de trabalho. Uma das coisas que farei é mostrar como já havia começado a pensar nesse projeto em 1983, e o que aconteceu comigo em 1983 que tornou esse projeto possível. Vou mostrar precedentes na minha própria obra que levaram a esse resultado.
Se fosse falar de obras que estou tocando agora, como a Embaixada dos Estados Unidos na Cidade do México, poderia falar de só ideias gerais, mas não do desenho do prédio em si. A Fundação Barnes corporifica muitas das minhas ideias.
Você diria que uma de suas principais preocupações é a relação do prédio com seu entorno?
Quero que meus prédios se encaixem no entorno, e neste caso Filadélfia, nos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, quero que tenham minha alma. A coleção Barnes é muito íntima. Também vou citar o American Folk Art Museum como um predecessor. Arte é um investimento muito pessoal em termos de tempo, paixão e interesse. Vou falar do prédio em termos de sua localização, o que ele significa para a cidade, mas também para a minha obra. Faz agora um ano que ele foi inaugurado, então já vejo ajustes que precisam ser feitos. Tive a chance de ver esse espaço funcionando por um ano e posso dizer o que funciona e o que não funcionou.
O que você pretende rever na obra?
Diria que a funcionalidade precisa ser melhorada. Não tinha pensado quantos tipos de pessoas distintos frequentam o prédio e como ele deve responder a tantos públicos diferentes. Tem aqueles que só entendem arte quando escutam o guia em áudio, tem crianças e também pessoas mais sofisticadas, que conhecem arte. Precisamos pensar em como acomodar todas essas necessidades.
Qual seria a solução para isso?
Eu gosto muito, por exemplo, do trabalho da Lina Bo Bardi, do Sesc Pompeia, que lida com um corte transversal da população, todo tipo de gente. E faz isso de uma maneira muito bela. Esse é um dos motivos pelos quais quis voltar a São Paulo. Fiquei querendo voltar para cá. Desde que vim pela primeira vez [no ano passado], comecei a dar uma aula em Yale usando essa região de São Paulo como tema. Esse lugar tem uma ressonância especial para mim. Essa mulher começou com uma ideia de arquitetura universal e, no fim da vida, ela concretizou essa ideia no Sesc Pompeia, uma arquitetura ao mesmo tempo brutalista e muito íntima, sensível. Ela já estava muito madura como arquiteta.
E São Paulo é como Nova York de certa forma. É densa demais, não é uma cidade bonita, mas é uma cidade viva. Essa região em particular é muito interessante, por isso venho estudando e ensinando sobre ela.
Sua obra, de certa forma, também tem características brutalistas, pelo menos no uso exacerbado dos ângulos retos. Qual seria a receita por trás de suas formas?
Um dos motivos do sucesso da Fundação Barnes é que ela respeita o passado. Está ali ao lado de prédios com mais de cem anos, mas não parece deslocada. É ao mesmo tempo um prédio do presente. Não sei se ele dirá o que fazer no futuro, mas penso a arquitetura como uma resposta aos problemas de agora, que eu espero sejam respeitados também no futuro.
Já me perguntaram por que não tenho mais curvas nas minhas obras, mas vejo que há grandes oportunidades para riqueza, sensualidade e uma sensação de conexão entre os espaços numa arquitetura feita de ângulos retos. Um prédio não precisa parecer uma nave espacial que chegou à Terra vinda de um planeta fantástico. A responsabilidade da arquitetura é criar conexões entre os espaços, e estar bem enraizada no lugar onde está.
Seu projeto do American Folk Art Museum parece muito bem enraizado naquele terreno minúsculo.
Esse é um prédio muito pequeno, e desenhado para a arte indígena ou artesanato, ou seja, obras feitas por artistas que não foram treinados para ser artistas. Há obras de pessoas com problemas mentais, de autores que estavam presos por razões boas ou não. Por isso era algo que pedia um espaço de exposição mais íntimo.
Por que o MoMA quer demolir o prédio agora?
Isso é um problema para o Museu de Arte Moderna já há algum tempo. Há uns 15 anos, eles fizeram uma exposição muito polêmica sobre arte primitiva. No geral, esse museu tem caminhado cada vez mais para a arte "blue chip", ou seja, tudo aquilo que é mais viável do ponto de vista comercial. Eles querem separar essa arte de seu entorno. De certa forma, o American Folk Art Museum é uma pedra no sapato do MoMA, tanto no sentido de espaço, ocupando a mesma quadra, quanto no sentido ideológico.
O que acha dessa visão do MoMA e que impacto isso pode ter para seu projeto?
Um ponto controverso é que o MoMA se dispõe a colecionar arquitetura de boa qualidade, mas agora quer ele mesmo demolir um prédio que caiu nas graças do público. Quando ele foi inaugurado, venceu todos os prêmios que podia vencer. É amado por estudantes. Pode não ser o melhor lugar para mostrar arte, mas é um lugar que mostra arte sem se sujeitar à moda.
Isso tem a ver com a visão do MoMA, hoje nas mãos de poucas pessoas. Basta olhar para a Bienal de Veneza em cartaz agora para ver como essa postura não combina. Essa é uma das edições mais radicais da Bienal, e é sobre a arte dos autodidatas, os artistas sem um treinamento formal. Não é sobre Andy Warhol, Jeff Koons e Gerhard Richter. Tem um equilíbrio muito preciso de indivíduos do mundo todo. É algo muito excitante.
A questão fundamental que isso traz é uma reflexão sobre a cultura e arquitetura, se elas devem ou não ser mais diversificadas e ricas ou e se mais genéricas e universais. Mas nós arquitetos nunca buscamos soluções universais, sempre vamos atrás de soluções específicas para problemas específicos. Obras feitas para um lugar específico devem responder àquele lugar específico.
Como ficará a situação agora? Você sabe se o prédio virá mesmo abaixo?
Eles nos disseram que iam demolir o prédio, mas os protestos vieram de todas as partes. Não da gente. Nós dissemos que estávamos chateados, mas vimos que esse assunto tem muito mais importância do que o nosso prédio. Isso deixou que os outros falassem. Deixamos que todas as vozes se manifestassem, e quando veio esse coro contra o museu, eles ficaram chacoalhados, com medo, ao ponto de repensar todo o projeto.
Ricardo Scofidio e Liz Diller, arquitetos que são amigos meus, agora vão passar seis meses pensando no problema. Não serão os arquitetos a substituir o prédio, mas foram convocados para pensar uma solução. Esse prédio é como se fosse um filho meu. Estou preocupado e gostaria de salvar esse museu. Esse é um predinho muito forte, mas ele vai resistir ao MoMA, vai voltar com tudo.
O setor de museus em Nova York, aliás, passa por grandes mudanças agora, com o Metropolitan tomando o prédio do Whitney, enquanto este constrói uma sede nova. O que acha do novo Whitney desenhado por Renzo Piano?
É um novo prédio enorme no Meatpacking District. A grande força desse projeto é sua lógica. Ele tenta fazer o prédio se adequar ao entorno, é bem industrial e lembra um navio de certa forma. Também há referências ao velho Whitney, como a escadaria, que era parte central do Whitney. Mas ele não tem a sensação de intimidade do velho Whitney, isso será muito difícil de reproduzir.
Acredita que os museus estão ficando grandes demais?
Chega um ponto em que os prédios se tornam grandes demais, empresas se tornam grandes demais, países ficam poderosos demais. O Metropolitan sentiu que estava pequeno demais. O MoMA quer ocupar a quadra inteira, mas não consegue. Talvez eles tenham que criar unidades satélite ou sair de Nova York. Precisam pensar seu futuro de uma maneira radical.
Há uma pressão sobre os arquitetos para projetar em escala cada vez maior?
Tem havido sim essa pressão, mas acredito que já existe uma reação a ela. Isso traz problemas. O Whitney tem milhares de obras pequenas, pinturas e desenhos. Num espaço com pé-direito de seis metros de altura sem nenhuma coluna, como vão mostrar essas obras? Isso distorce a coleção dos museus, que começam só a colecionar obras cada vez maiores, gigantes. A videoarte vai se autodestruir, porque é impossível que ela cresça de acordo com a arquitetura. Não é possível que as coisas cresçam tanto assim. Essa escala não é mais humana e está cada vez mais divorciada do mundo.
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