Centro cultural no Bom Retiro, Casa do Povo, 60, volta à cena cultural
No bairro povoado desde sempre por imigrantes, o prédio de fachada modernista pode passar batido pelos que frequentam o Bom Retiro em busca de roupas baratas vendidas no atacado.
Dentro do edifício, que completa 60 anos neste mês, a história é outra. Gente que viveu a época de ouro do lugar --onde funcionava uma escola, um teatro e um centro de cultura-- e pessoas que não viveram nada daquilo batalham para ocupar o local.
Depoimento: 'Minha infância e adolescência foram balizadas pela Casa do Povo'
A Casa do Povo, nome de guerra do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, foi criada por imigrantes judeus progressistas e de várias correntes de esquerda que se estabeleceram no Bom Retiro a partir da Primeira Guerra.
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Clarice Lima e Aline Bonamin, do Grupo Lote#, apresentam coreografia no salão do segundo andar da Casa do Povo |
O auge do centro foram as décadas de 1960-1970 e a decadência, os anos 1980.
Uma foto do prédio degradado postada no Facebook, há cerca de três anos, foi a deixa para que ex-alunos do Scholem Aleichem, a escola da Casa do Povo, voltassem ao local e iniciassem o projeto de revitalização.
"Primeiro, tivemos que sanear financeiramente. Agora, a coisa ganhou vida, começou a pulsar de novo", diz o neurologista Jairo Degenszajn, presidente do conselho deliberativo da Casa do Povo.
A ajuda surge de vários lados. O projeto de reforma do prédio está sendo feito gratuitamente pelo arquiteto Isay Weinfeld.
O francês Benjamin Serousse, que foi curador do Centro de Cultura Judaica, soube do trabalho e juntou-se voluntariamente ao conselho. Serousse tem usado seus contatos na área cultural para atrair parceiros e atenção ao centro.
Em 2012, o Teatro da Vertigem estreou "Bom Retiro 958", peça ensaiada no local e que acabava no cenário de um teatro em destroços: o Taib, da Casa do Povo.
Grupos de dança começaram a usar o espaço para residência artística. Um deles, o Lote#2, que entrou para o projeto Rumos, do Itaú Cultural, fez sua apresentação do projeto lá, em junho.
O enorme salão onde o grupo se apresentou, antigamente dividido em salas de aula, ganhou pintura nova e extintores de incêndio patrocinados pelo banco.
Em julho, a Feira de Arte Impressa Tijuana reuniu mais de 50 expositores no prédio.
Novas parcerias também alimentam o projeto de revitalização, diz Mila Zacharias, da Anamauê, empresa de produção e consultoria em artes que também se uniu voluntariamente ao grupo.
Uma dessas parcerias, com a Bienal de Arquitetura e o Instituto Goethe, vai levar os expositores alemães da bienal para as salas da Casa do Povo, em outubro.
VANGUARDA
As origens do instituto cultural são anteriores à construção do prédio, projeto de Mange, Martins e Engel.
Pai da Casa do Povo, o Centro Cultura e Progresso realizou, por exemplo, a primeira exposição de HQ no Brasil, em 1951, que contou com originais de autores como Alex Raymond ("Flash Gordon") e Al Capp ("Ferdinando").
A escola Scholem Aleichem, outra iniciativa do grupo, foi fundada em 1934, com uma proposta pedagógica vanguardista para a época.
O teatro Taib veio depois. Projetado pelo arquiteto Jorge Wilheim, foi inaugurado em 1960. Naquela década e na seguinte, a atividade cultural e política era intensa.
Nos anos 1980, por razões que vão do êxodo da comunidade judaica do bairro ao isolamento ideológico das esquerdas, a atividade minguou, a escola fechou e o centro se esvaziou.
Na boa fase atual, os 60 anos da Casa do Povo serão comemorados nos dias 23 e 24 com seminários e debate com a urbanista Raquel Rolnik sobre as necessidades culturais da cidade.
"A região voltou a entrar no circuito cultural de São Paulo, mas faltam espaços menos tradicionais. A Casa do Povo ressurge em boa hora", diz Degenszajn.
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