Ídolo do eletrônico, Moby não sai de casa
É irônico que a canção "The Perfect Life", de Moby, tenha conquistado os telespectadores da novela "Amor à Vida" (Globo, 21h) como tema do casal Rafael (Rainer Cadete) e Linda (Bruna Linzmeyer). A história de superação do advogado apaixonado pela garota autista parece cair como uma luva para o momento que o músico vive.
Há cerca de dois anos, Moby, que sempre foi conhecido por pregar um estilo de vida saudável e é seguidor da rigorosa dieta vegana, revelou que luta contra o alcoolismo.
Para tentar deixar a doença no passado, ele se mudou de sua cidade natal, Nova York, para Los Angeles, onde se tornou mais caseiro.
Divulgação | ||
O músico americano Moby, que lançou em outubro 'Innocents', seu 11º álbum gravado em estúdio |
"Quando eu bebia, tudo o que eu queria era ficar acordado a noite toda bebendo e tomando drogas até 6h. Agora, estou mais feliz jantando com amigos em casa. Em São Paulo ou Nova York, todos moram em apartamentos pequenos, então as pessoas se encontram na rua. Aqui, você conhece alguém no quintal de casa", conta Moby.
Ele mora em um pequeno castelo encravado nas colinas de Hollywood Hills, abaixo do famoso letreiro. Foi no sofá de sua sala que ele recebeu a reportagem da Folha para falar, entre outros assuntos, sobre o hit que emplacou na novela e o seu novo disco, "Innocents", o 11º álbum de estúdio de sua carreira.
"Fico feliz que minha música seja usada em um romance autista. Estou familiarizado com essa condição. Trabalho com o Instituto para Música e Função Neurológica, organização de Oliver Sacks, que pesquisa como a música afeta o cérebro. Eles tiveram muito sucesso com pacientes autistas", diz.
TIOZINHO DO TECHNO
Há mais de duas décadas na cena eletrônica, Moby viveu na pele as transformações do gênero e sua ascensão nos Estados Unidos, onde hoje é quase tão popular quanto o country ou hip-hop.
"Eu gosto de escutar esse tipo de música quando estou dentro de uma boate a 1h da manhã, mas jamais ouviria em casa. A ideia de colocar 'electro house' para tocar às 9h, quando estou preparando o meu café, soa meio estranha", ironiza Moby.
Aos 48 anos, ele faz menções à idade aqui e ali. Diz, porém, não se incomodar com o envelhecimento. Entre suas novas resoluções está a de não fazer tantos shows --para divulgar "Innocents", por exemplo, o músico fez apenas três, todos em Los Angeles, a poucos metros de sua casa, para os quais foi a pé.
"Eu poderia fazer turnê oito meses por ano e tentar produzir discos para a Katy Perry, mas pra quê?", diz Moby.
Claro, ele é hoje um dos artistas de música eletrônica mais ricos do mundo, com patrimônio estimado em US$ 30 milhões (cerca de R$ 70 milhões), segundo o site Celebrity Net Worth. "Prefiro ficar em casa compondo. É criativamente mais satisfatório."
PROJETOS FUTUROS
Em 2014, o principal disco de Moby, "Play", faz 15 anos, mas ele diz que não deve comemorar a efeméride. Ao invés disso, se prepara para fazer algo em 2015, quando completa 25 anos de carreira.
"Quero lançar um disco com versões acústicas das minhas músicas, além de remixes e versões ao vivo."
No mesmo ano, diz que pretende fazer uma visita ao Brasil. "Lembro bem da primeira. Era uma turnê rave, em 1993, passei por Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. Não tinha muitos clubes e nem cultura 'raver' ainda no Brasil... Foi um fracasso (risos)."
Ele também investiu recentemente em um restaurante vegano de Los Angeles, o Crossroads, que está fazendo sucesso entre as celebridades.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com Moby.
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Folha - Você sabia que a música "The Perfect Life" se tornou um hit no Brasil? Está em uma novela.
Moby - Eu fiquei sabendo. A cada duas semanas, recebo um balanço dos resultados de vendas do disco e dos singles, e lá dizia que a música está em um novela e virou quase um hit acidental no Brasil.
É tema de um casal em que a garota é autista. Uma feliz coincidência, visto que você sempre lutou pelos direitos das minorias, certo?
Uau, fico feliz que a minha música esteja sendo usada em um romance autista. Na verdade, eu trabalho com uma organização que foi iniciada pelo Dr. Oliver Sacks, um neurologista famoso, aquele que deu origem ao filme "Awakenings" (1990). Ele começou há cerca de 30 anos uma fundação chamada Institute for Music and Neurologic Function, na qual eles pesquisam as maneiras como a música afeta o cérebro. Eles tiveram muito sucesso trabalhando com vítimas de derrame cerebral, por exemplo, mas também com pacientes autistas e com Síndrome de Asperger. É um assunto com o qual estou bastante familiarizado. Eu já toquei em eventos para levantar recursos para pacientes autistas, um amigo meu de Nova York tem um filho com uma forma muito severa de autismo e começou uma organização. O autismo é uma doença muito confusa, porque ninguém sabe de onde vem ou o que é exatamente. E também há vários graus da doença. Ninguém sabe se é uma coisa genética ou se é resultado de toxinas no meio ambiente, etc.
Em "The Perfect Life", você trabalhou com Wayne Coyne, dos Flaming Lips. Como você o escolheu?
Nós nos conhecemos em 1995, quando abrimos para o Red Hot Chili Peppers na Europa. Dividimos o camarim por cerca de um mês. Os Chili Peppers eram muito legais com a gente, mas ainda assim, eram a banda principal. E ser a banda de abertura nunca é muito divertido. Tocar para um público que ainda está procurando seus lugares e comprando comida, checando o telefone, não é legal. Eu e os Flaming Lips criamos um laço por sermos a banda de abertura. Cerca de um ano atrás, eu escrevi essa música e mandei uma mensagem para ele perguntando se ele não queria cantar, porque parecia uma música do Flaming Lips. Ele respondeu "claro!" imediatamente, sem nem ouvir a música. Um tempo depois, eu tive a ideia do clipe e mandei outra mensagem pra ele perguntando: "Ei, você quer gravar um vídeo comigo em que nós dois andamos pelo centro de Los Angeles vestidos de mariachis?". E ele disse: "Claro!" (risos). Ele é uma pessoa muito feliz e diz sim para tudo.
Como você escolheu as outras pessoas que colaboraram no seu novo album, "Innocents"?
Eu escolhi pessoas que tinham vozes interessantes e que também podiam compor boas músicas. O processo funcionou assim: eu escrevia a música, mandava para o cantor, ele escrevia a letra, os vocais e mandava de volta pra mim. Eu gosto de trabalhar sozinho, mas adoro esse processo colaborativo, porque consigo resultados que eu nunca teria trabalhando sozinho.
E como foi trabalhar com Skylar Grey, que ficou famosa após algumas colaborações com Eminem, com quem você tem uma rixa?
Eu adoro a voz dela, e ela é uma boa compositora. A música que fizemos não é muito pop. Eu não vejo Eminem desde 2002, mas acho engraçado. Ele é claramente muito talentoso e bem sucedido, mas na música "Without Me", na qual ele me insulta, ele diz que sou muito velho (36 anos), mas agora ele está quatro anos mais velho do que eu (cinco, na verdade) quando ele disse que eu era muito velho. Será que alguém já perguntou isso a ele? Tipo, se eu era muito velho naquela época, ele está velho agora? (risos)
Como é envelhecer, pra você?
Para citar Woody Allen, é melhor do que a alternativa. Eu gosto muito de envelhecer, porque a medida que você envelhece, sua perspectiva muda e você se torna mais sábio. Mas uma coisa importante é aprender com os erros das outras pessoas, seja alguém que você conhece ou uma figura pública. É triste, mas você pode aprender com isso. Em Los Angeles há muita gente lutando contra o envelhecimento com cirurgia plástica, namorados e namoradas mais jovens, esse tipo de coisa Mas não funciona. Nós deveriamos encarar o envelhecimento mais como Leonard Cohen, aceitando que todo mundo envelhece. Mas acho que pra mim é mais fácil, porque, digamos, ninguém nunca comprou um disco meu porque me achava jovem e bonito (risos). Eu entendo que, no caso de uma atriz, a partir dos 30 anos, ela comece a pegar menos papéis e seu dinheiro se torne escasso. Ela tem razão em ter medo de envelhecer. Mas eu tenho sorte, porque sou um músico e posso continuar fazendo música aos 30, 40, 50, 60, e não importa muito a idade. Como levo um estilo de vida saudável, com uma dieta vegana e muito exercício, eu consigo me manter saudável a medida que envelheço. Tenho alguns amigos veganos que tem 60 anos mas parecem que tem 30. Um amigo meu acabou de competir no Ironman (competição de triatlo), e ele tem uns 53 anos. Envelhecimento não precisa significar doença e uma saúde deteriorada.
Você costumava ter uma casa de chá em Nova York, o que aconteceu com ela? Pretende abrir algo assim em LA?
Eu cometi alguns erros. Eu abri a casa de chá com a minha então namorada, e no dia que abriu, nós terminamos. Foi difícil. Nenhum de nós sabia como administrar um restaurante. De uma maneira inesperada, deu certo, mas foi muito estressante. Acho que o lugar ainda existe, mas não estou mais envolvido.
Eu acabei de investir em um restaurante vegano aqui em Los Angeles chamado Crossroads, e está fazendo o maior sucesso entre as celebridades veganas. Quase todo dia aparece uma celebridade. Jay-Z, Al Gore, Oprah Winfrey Duas semanas atrás, Johnny Depp, Paul McCartney, Ron Wood e Dave Grohl jantaram juntos lá. Todo dia eu recebo um e-mail do gerente falando que alguma celebridade esteve lá, é engraçado. Anne Hathaway também vai o tempo todo, porque ela é extremamente militante da causa vegana.
Quando você comprou essa casa, dois anos atrás, disse que queria arrumar uma namorada ou mulher. Como está essa busca?
Eu estava meio sem tempo, mas agora estou mais tranquilo. Só tenho umas duas viagens nos próximos seis meses. Espero pegar uns dois cachorros, ou talvez um cachorro e um gato, porque adoro essa ideia de ter os dois se eles forem muito amigos. Eu estou com 48 anos de idade, mas ainda gosto da ideia de achar alguém e começar uma família. Eu não me importo em ser solteiro, mas estou assim há muito tempo, e nós, humanos, somos projetados para termos família. Eu tenho família, tios, primos, etc, mas é muito diferente ter a sua própria família.
Especialmente nessa nova fase da sua vida, sóbrio.
Sim, porque quando eu bebia, tudo o que eu queria fazer era ficar acordado a noite toda bebendo e tomando drogas até umas 6 horas da manhã. E agora estou muito mais feliz jantando com amigos. Uma coisa muito legal de Los Angeles é que as pessoas se encontram muito nas casas umas das outras. Em cidades maiores, como São Paulo ou Nova York, todo mundo mora em apartamentos pequenos, então as pessoas se encontram na rua, em algum restaurante ou bar. LA é uma cidade bastante doméstica. Aqui você conhece a pessoa no quintal da casa dela, com o cachorro do lado. Engraçado que a maior parte das pessoas a vê como uma cidade glamurosa, mas mesmo as celebridades tendem a ficar em casa cozinhando com seus amigos.
Parece que você está gostando muito da sua vida em Los Angeles, e você sempre foi um nova-iorquino convicto.
A parte boa de LA é ótima. Acho legal que haja tantas pessoas criativas num mesmo lugar. Tantos diretores, tantos músicos, etc. A parte ruim é o trânsito.
No ano que vem, "Play" completa 15 anos. Você pretende fazer algo a respeito disso?
Nunca tinha parado para pensar nisso. Na verdade, em 2015, eu completo 25 anos de carreira, então tenho pensado em fazer algo a respeito disso, como um disco acústico com minhas músicas, porque eu cresci tocando violão, essas coisas, então quero muito fazer isso ainda. Provavelmente vou lançar alguns remixes, versões ao vivo, etc.
Por boa parte de sua carreira, a música eletrônica era grande na Europa, mas não nos Estados Unidos. E agora os EUA estão vivendo um grande momento para a música eletrônica, com o crescimento da chamada EDM. O que você acha disso?
Eu tenho discotecado bastante, e nos meus DJ sets, eu toco bastante faixas de EDM. Eu gosto muito de escutar esse tipo de música quando estou dentro de uma boate à 1h da manhã, mas jamais ouviria em casa. A ideia de colocar para tocar uma música meio electro às 9h da manhã, quando estou preparando o meu café, soa meio estranha. Mas num clube noturno, soa incrível. Na academia também é legal. Mas quando estou em casa tendo a ouvir Neil Young e Led Zeppelin.
Você ouve mais coisas velhas, então?
Sim, mas agora em LA também tenho escutado muita college radio. Tem várias estações que tocam coisas novas bem interessantes.
Outra coisa que é muito grande hoje em dia é essa mistura de gêneros, algo que você já fez bastante em sua carreira, como faz Avicii, por exemplo. Como você vê isso?
Honestamente, eu gosto de música, e não me importa muito como ela é feita. Não ligo se é um moleque com um laptop ou uma orquestra, só me importo com o quanto a música me afeta quando a escuto. A mesma coisa com a minha música, eu não ligo se sou eu que estou cantando ou se é outra pessoa, não ligo se a base foi feita com sintetizador ou guitarra, a única coisa que importa é a reação que as pessoas vão ter àquela música.
Você só fez três shows de divulgação para esse álbum, e eles foram todos aqui do lado, no Fonda Theatre, para onde você foi a pé. Por que isso?
Parte disso é que eu tenho feito turnê há muito tempo. Quando eu comecei a fazer shows, eu tive uma experiência que me marcou muito. Era 1991, provavelmente a minha segunda turnê, e eu estava no aeroporto Heathrow, em Londres, quando vi uns músicos de meia-idade, todos meio gordinhos e cansados. E eu olhei para eles e pensei: "Nossa, eu nunca quero ser um músico gordinho, cansado e de meia-idade". E alguns anos atrás, eu estava no mesmo aeroporto, meio gordinho, cansado e na meia-idade. E eu simplesmente pensei: Não quero mais fazer isso. Eu adoro tocar ao vivo, mas é meio repetitivo. Tem bandas que fazem turnê todo ano, e talvez eles gostem disso, mas é muito repetitivo, e eu sinto que há tantas outras coisas que eu posso fazer com música. Eu posso ficar aqui sentado escrevendo música o dia todo, e apesar de não ganhar dinheiro com isso, porque hoje em dia só se ganha dinheiro com turnês, eu adoro a ideia de escrever músicas novas, ter ideias novas, isso é criativamente mais satisfatório para mim.
Sim, mas você está em uma posição consolidada, imagino que os licenciamentos que você fez desde a época do "Play" ainda te rendam dinheiro, certo?
Um pouco. Acho que vivemos em uma cultura em que todo mundo acredita que eles serão mais felizes se tiverem mais dinheiro e mais coisas, mas as pessoas que têm mais não parecem felizes. E dar um passo para trás às vezes é mais saudável. Especialmente em um lugar como LA, ou Wall Street, todo mundo quer ser mais bem sucedido. As pessoas que tem uma tonelada de dinheiro parecem extremamente infelizes. Eu poderia fazer turnê oito meses por ano e tentar produzir discos para a Katy Perry, tentar desesperadamente ter mais dinheiro e fazer mais sucesso, mas por que eu faria isso?
Você já foi esse tipo de pessoa?
Ah, sim. Teve uma época entre os álbuns "Play" e "Hotel" que eu queria continuar fazendo turnê e ter mais sucesso, mas quanto mais eu tinha, menos feliz eu estava. E eu fui percebendo que as coisas que me faziam feliz de verdade tinham pouca relação com o sucesso material, como ouvir o meu disco favorito, brincar com cachorros, tocar guitarra, estar com amigos. Você não precisa ser bilionário para ter essas coisas. Na verdade, bilionários não têm tempo para essas coisas.
Você chegou a fazer coisas que não queria?
Sim, muitas coisas, como viagens promocionais, longas turnês. E eu não estou reclamando, não foi ruim, mas foram coisas que me mantiveram longe de casa e de pessoas que eu amava.
Isso te fazia infeliz?
Sim.
E isso estava relacionado ao seu alcoolismo, de certa forma?
Ah, de certa forma, sim. Eu bebia porque gostava de beber, mas às vezes, eu estava fazendo turnê e estava triste porque estava fazendo turnê, longe de casa, então saía e bebia. Era uma forma de tentar ficar mais feliz. Muitos músicos se tornam viciados porque as drogas estão sempre lá, e você consegue viver nesse mundo adolescente onde você instantaneamente se sente melhor, ao invés de dar um passo para trás e enxergar a causa da infelicidade.
Você achou a causa da sua infelicidade?
Ainda não. Mas acho que é parte da condição humana. Estar vivo em universo que tem 15 bilhões de anos É muito confuso ser humano. Acho que a única coisa que podemos fazer, às vezes, é aceitar que ser humano é confuso.
E você pretende ir ao Brasil em breve?
Sim, em 2015. Mas também pode ser em algum momento do ano que vem. Eu adoro ir ao Brasil, já fui muitas vezes, mas ainda me lembro bem da primeira vez. Era uma turnê rave, em 1993, eu passei por Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. Foi uma turnê estranha, não tinha muitos clubes e nem essa cultura raver ainda no Brasil... Foi um fracasso. (risos)
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