Crítica: Livro revelador fala de dramas e obsessões de Richard Serra
Há mais de 30 anos a obra do escultor e desenhista norte-americano Richard Serra é mapeada por intelectuais de diferentes cepas e lugares. No Brasil, seu trabalho inundou textos de autores diversos, de Ronaldo Brito a Bernardo de Carvalho.
Por outro lado, suas palavras esparramavam-se por aqui em raros artigos borrifados em periódicos de circulação restrita ou em entrevistas para a imprensa (nas últimas três décadas, por exemplo, a Folha imprimiu quatro conversas com ele).
Por isso, o volume lançado pelo Instituto Moreira Salles reunindo textos e entrevistas de Serra (80% deles inéditos no Brasil), intitulado "Richard Serra: Escritos e Entrevistas 1967 - 2013" é uma rara oportunidade que expande para o leitor local as opiniões e o processo de trabalho do autor.
Divulgação | ||
Detalhe da escultura 'Blind Spot', do americano Richard Serra, feita com chapas de aço |
Assimétricos, os artigos são sintomáticos. O mais antigo é de 1971 e arqueia uma espécie de ponte imaginária que articula a trajetória de Richard Serra, misturando sua formação em literatura e artes plásticas.
Trata-se de uma lista com 108 verbos que sistematiza a feitura do trabalho artístico de Serra (como "arquear", "torcer" ou "desordenar", e todos os outros deste texto).
Em outros artigos, ele tece o passo a passo de uma obra (de maneira maçante, mas reveladora) ou remete à linguagem da reportagem, fluindo um relato, em primeira pessoa, da remoção de uma de suas principais obras.
O melhor do volume são as entrevistas, longas e articuladas por curadores e críticos de arte.
As conversas modulam o destaque em parte porque Serra abre um pouco a guarda, esparramando dramas (como a morte de um montador de uma de suas peças) e obsessões (como a do uso do aço), sem, contudo, iluminar sua personalidade, tão áspera quanto as chapas de suas esculturas.
As entrevistas revelam um artista concentrado, mais preso no processo do que no resultado e rodeando o próprio trabalho ("uma obra critica a outra"). Os diálogos o marcam como um crítico sagaz da produção alheia e do mercado da arte.
O volume ilumina o que as obras inundam: o tema central de Serra é o espaço. Se as esculturas nos espaços públicos são controversas por desordenar a percepção da espacialidade, nos espaços fechados elas prendem a atenção dos observadores, rompendo reações inesquecíveis.
A espacialidade e a tectônica das esculturas forçam um estreito diálogo (e tensão) com a arquitetura.
Ele confessa que circunda o tema besuntando-se da percepção de obras arquitetônicas sublimes (como Ronchamp, de Corbusier), ao mesmo tempo que é um crítico da produção arquitetônica atual.
FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Monolito"
RICHARD SERRA: ESCRITOS E ENTREVISTAS 1967-2013
AUTORES Richard Serra e Heloisa Espada (organizadora)
EDITORA Instituto Moreira Salles
QUANTO R$ 54,90 (362 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
Livraria da Folha
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