Nashville vira maior polo musical dos EUA
No principal saguão de desembarque do aeroporto de Nashville, uma banda toca lindamente bluegrass, o ritmo que mescla country, jazz e música irlandesa.
Por razões culturais e econômicas, a terra do country quer promover outros ritmos além do sertanejo americano. O estúdio de gravação do roqueiro Jack White, ex-líder do White Stripes, tem uma loja cheia de antiguidades musicais e atrai dezenas de turistas que podem comprar discos em vinil.
Bandas de rock como Kings of Leon e The Black Keys se mudaram para lá e grandes estrelas pop, como Miley Cyrus, Taylor Swift e Kelly Clarkson, ali despontaram.
A capital do Estado do Tennessee, de 600 mil habitantes, metade da população de Campinas, transformou-se na cidade que mais fatura per capita com música nos EUA. Virou modelo para cidades que abrigam "indústrias criativas" e criou um circuito turístico-musical como o Rio jamais conseguiu fazer com a bossa nova.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
130 casas de show têm programação musical quase diariamente na cidade. O negócio musical e o turismo que ele atrai movimentam mais de US$ 9 bilhões da economia local (mais do que o gasto anual de todos os turistas estrangeiros no Brasil em um ano).
"Quando me mudei para cá de Chicago, há 20 anos, só havia country. Hoje, a cena se diversificou e roqueiros e músicos em geral migram para cá para viver da música", disse à Folha o produtor Steve Lamm, 44, que já ganhou um Grammy.
Em tempos de fragmentação do negócio e encolhimento das gravadoras, Nashville apostou por criar um pólo musical, do mesmo jeito que o Vale do Silício fez com a tecnologia. E deixou bem para trás suas concorrentes naturais, a vizinha Memphis, capital do blues, e New Orleans, do jazz.
Na semana passada, um evento trouxe à cidade os supervisores musicais de seriados como "Glee", "Mad Men" e "Anatomia de Grey" para serem apresentados aos novos talentos locais. Colocar músicas em trilhas sonoras e em publicidade é uma das grandes fontes de renda hoje para músicos e compositores.
A Câmara de Comércio de Nashville encomendou um estudo sobre as transformações no negócio musical e como a cidade deveria se preparar para o futuro.
Para Garrett Harper, vice-presidente de pesquisa da Câmara, a cidade precisa se posicionar em mercados emergentes (e o Brasil é citado como "chave" para o mercado latino-americano), e para diversificar ainda mais a sua oferta, atraindo jazz, blues, música latina, "world music" e mais rock. Fala em usar o talento estrangeiro já presente na cidade para desenvolver laços com os novos mercados (13% da população é nascida no exterior, especialmente México e Sudeste Asiático).
O estudo do empresariado local admite que a música country que construiu a fama da cidade não tem tanto apelo assim longe dos Estados Unidos. A Nashville roqueira, indie e latina deve continuar a crescer.
TURISMO E MÍDIA
Feiosa, sem grandes atrações naturais ou de patrimônio (o ícone local arquitetônico é uma réplica do Parthenon ateniense, com uma imagem dourada da deusa Atena no interior), a música é seu grande chamariz.
Nashville é a quarta cidade americana em venda de entradas para shows, US$ 315 milhões em 2012, apenas atrás (das muito mais populosas) Los Angeles, Nova York e Atlanta.
Nas dezenas de bares da Broadway local, conhecidos como honky-tonks, a entrada é gratuita para shows diários _ o lucro acontece com a venda de bebidas.
Um centro cultural e museu, o "Country Music Hall of Fame", aberto em 1967 e desde 2001 em um prédio enorme com janelões que imitam teclas de piano, é ponto turístico para quem quer conhecer a história do sertanejo americano. Há uma vasta exposição sobre a carreira do veterano Kenny Rogers, 75, em cartaz.
No ano passado, o museu atraiu 564 mil visitantes.
O edifício vai dobrar de tamanho com uma ampliação recém-iniciada, que contou com doações particulares de US$ 78 milhões.
Ao lado dele, a prefeitura local investiu US$ 623 milhões no novo centro de convenções da cidade, inaugurado no ano passado, que tem uma vez e meia o tamanho do Pavilhão de Exposições do Anhembi _e com música abundante para acompanhar congressos.
A indústria mantem um ecossistema de empregos que inclui produtores, engenheiros de som, técnicos de som, afinadores de instrumentos, compositores, agentes, além dos músicos e cantores. O fato do custo de vida ser uma fração dos de Nova York e Los Angeles ajuda.
Uma rede de televisão que passa 24 horas de música country, a Country Music Television, foi criada em 1983 e chega hoje a 90 milhões de lares americanos (os argentinos copiaram a ideia e em 1995, nasceu o canal Solo Tango/Tango City para promover a música portenha).
Para o futuro, entre as muitas recomendações do estudo da Câmara de Comércio, há ênfase em se desenvolver profissionais com conhecimento de internet, especialmente em crowdfunding (vaquinhas virtuais), streaming e redes sociais e se aproximar mais da mídia, das indústrias de ficção e publicidade.
Duas universidades locais já tem cursos de "Administração e negócios de música", com dois mil alunos, Belmont e a Estadual do Tennessee. A Vanderbilt possui cursos de Teoria Musical. Um programa local com apoio federal investe US$ 12 milhões por ano em escolas do equivalente americano ao Ensino Médio (antigo Segundo Grau), com cursos técnicos de apresentação, gerenciamento e produção em música, cinema e entretenimento.
Ao contrário de outros celeiros musicais, Nashville luta para reter seus talentos, que no passado precisavam migrar para as grandes cidades americanas.
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