Análise: Moda terá de lidar com os problemas da maturidade
"Vinte anos, 40 edições. Mais que um evento." É com esse slogan que a São Paulo Fashion Week comemorará 20 anos em abril. Apesar do clima de champanhe que tomou esta temporada de inverno, terminada na sexta (7), com grifes comemorando décadas de resistência, problemas da moda serão postos à prova para que a festa não acabe cedo.
Além da falta de negros na passarela –reflexo do distanciamento com os consumidores brasileiros–, o trabalho análogo à escravidão ao qual os operários são submetidos e a falta de representatividade de jovens estilistas no "calendário oficial de desfiles" serão tema dos próximos anos.
Enquanto balões eram distribuídos aos convidados e as modelos trocavam a maquiagem, o Ministério Público do Trabalho fechava, na mesma sexta, um acordo para responsabilizar a Seiki e a Nitrogen, ambas do comércio popular do Bom Retiro, em São Paulo, por manter 15 bolivianos em condição de escravos numa confecção terceirizada.
Eduardo Anizelli/Folhapress |
Desfile da grife Uma Raquel Davidowicz durante a SPFW, no parque Villa Lobos, em São Paulo. |
Terceirização. Essa talvez seja a palavra que resume o futuro das maiores grifes. A Animale, a Ellus e até a rede Riachuelo, que antes mantinha toda sua produção internamente, passarão a contratar mais confecções, aqui e fora do país, para expandir.
Num sistema pulverizado de mão de obra, no qual a roupa é montada em diferentes cidades, o controle sobre quem põe os dedos na agulha ficou complexo demais, e, tendo em vista os processos contra grifes, ninguém está disposto a se responsabilizar por aqueles que contratam.
Some a isso o descrédito de empresários com os estilistas recém-formados. Há quase 200 faculdades de moda no Brasil, muitas delas ainda não reconhecidas como curso.
"Não há espaço para novas marcas" e "estilista não vende" são frases ditas por "insiders" do mundinho.
A responsabilidade sobre os problemas da moda é dos donos de eventos de desfiles, dos compradores, dos estilistas e dos empresários que tentam reposicionar suas marcas.
O jovem jornalismo de moda brasileiro, dentro da feira de looks para vitrine como os desta SPFW, será fundamental para juntar os pedaços do embate maniqueísta travado durante 20 anos, onde "mocinhos" (estilistas) e"bandidos" (empresários) fizeram, para citar a frase da jornalista Regina Guerreiro, "os números engolirem os sonhos".
A moda amadureceu, sim, mas terá de aprender a arcar com as responsabilidades que a maturidade trouxe.
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