Crítica: Vida é obra de arte em 'Saint Laurent'
"Saint Laurent - Estilista e Mártir" poderia ser o título da segunda produção francesa a tematizar o mítico criador da marca YSL.
Escolhido como representante da França e forte candidato a uma vaga entre os cinco finalistas na categoria de filme estrangeiro no próximo Oscar, o longa dirigido por Bertrand Bonello usa apenas o sobrenome do estilista no título para se distinguir do caricatural "Yves Saint Laurent", exibido nos cinemas em abril.
Escolha decisiva, pois a palavra "saint" ("santo", em francês) é a antítese do percurso de sexo, drogas e trasbordante narcisismo que o filme mostra. E, no entanto, se confunde com o martírio, o sacrifício a um ideal que permitiu ao estilista construir um império ao custo de muita autodestruição.
Divulgação | ||
Gaspard Ulliel, ao fundo, de branco, como Yves Saint Laurent |
FÓRMULA
Em vez de seguir a fórmula pronta de ascensão e queda, Bonello perverte as regras das cinebiografias, despreocupando-se da fidelidade para poder fazer de seu Saint Laurent um personagem.
No primeiro diálogo, o vemos de costas e em contraluz ao se registrar num hotel com o nome de Swann, referência ao protagonista do primeiro volume de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, e também um jogo de palavras com "swan", que em inglês designa "cisne", o ex-patinho feio cujo canto derradeiro torna indistintas a tristeza e a beleza.
Esta ideia que, no fim das contas, é um dos motores da moda não poderia deixar de estar no centro das atenções de "Saint Laurent".
O filme de Bonello reconstitui coleções, encena magnificamente um desfile ao final e mostra o estilista em seu apartamento-museu cercado por arte.
Mas esta fascinação pela beleza é também mórbida, está nas formas perfeitas extraídas do fluxo da vida, que afinal a consome e a degrada.
VISCONTI
Nesta obsessão de transformar a vida em obra de arte, "Saint Laurent" se aproxima de "Ludwig", o rei da Baviera que o cineasta italiano Luchino Visconti filmou em seu fascínio pela decadência.
Com o golpe de gênio de escolher Helmut Berger para encarnar Saint Laurent na velhice, Bonello não apenas flerta com o cinema de Visconti, do qual Berger foi amante e ícone.
Ao filmar o ator hoje mumificado assistindo a sua beleza intacta numa tela de TV, é a eterna obsessão pela supressão do tempo e da morte que Bonello atualiza com a delícia da crueldade.
SAINT LAURENT
DIREÇÃO Bertrand Bonello
ELENCO Gaspard Ulliel e Louis Garrel
PRODUÇÃO França/Bélgica, 2014, 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo
Livraria da Folha
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