Crítica: Adaptação de Bergman erra na caracterização de protagonista
Mais ousada do que nunca, a atriz Gabriela Duarte se lançou a um projeto de fôlego filosófico e ficou a um triz de superar a marca de sua ternura idílica.
Depois da comédia romântica "A Garota do Adeus" (2012), Duarte recorre agora ao cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007), assumindo no palco a protagonista do filme "Através de um Espelho" (1961), em adaptação da inglesa Jenny Worton.
Levar o roteiro de um filme de Bergman para o palco, por si só, tem seu valor, tem dignidade. O trabalho vai se deparar com o desafio de deslocar a relação diálogos-fotografia. No filme, paisagens espelham afetos, construindo pontes poéticas por onde passam dúvidas sobre a existência, inclusive de Deus.
A protagonista Karin sofre de doença degenerativa, enlouquecendo à vista do marido, do irmão e do pai.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Lucas Lentini e Gabriela Duarte em 'Através de um Espelho' |
Ao fundo, a placidez de uma ilha segue inabalável; ali, o mar e o horizonte alargam as margens dos conflitos existenciais.
CENÁRIO
A direção de Ulysses Cruz leva essas pontes à arena do Tuca recortando sua própria paisagem com cenário sóbrio e sobretudo luz suave.
Ao transpor o cinema de Bergman para um espaço circular, faz Gabriela Duarte girar enquanto enlouquece como uma princesa de cabelos, até o final, muito bem cuidados, e daí surge um ruído romântico na caracterização da loucura.
A ousadia da encenação se avoluma, e então a peça ultrapassa sua potência dramática com trilha sonora bem melancólica. Tudo, assim, fica mais tocante, no mau sentido da palavra. Sem silêncios, o delírio aterrador se dilui. Vira doença.
Os cortes no enredo preservam o racionalismo do pai e a contenção do marido como um esteio de reflexão da obra, mas o desespero do irmão frente ao desmantelamento psicológico da protagonista torna-se secundário.
A peça tenta atualizar Bergman querendo tocar o público direto no coração, mas mostra, no fim das contas, que ousadia não é coragem.
ATRAVÉS DE UM ESPELHO
QUANDO sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 19h30; até 30 de novembro
ONDE Tucarena, r. Monte Alegre, 1.024, Perdizes, tel. (11) 3670-8455
QUANTO de R$ 50 (às sextas) a R$ 70 (sábados e domingos)
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO regular
Livraria da Folha
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