Crítica: Tudo parece ruir no mundo vertiginoso de 'A Casa Cai'
O último romance de Marcelo Backes, "A Casa Cai", já anuncia em seu título o assunto de que trata: o personagem-narrador, órfão, se vê às voltas com apartamentos herdados do pai e com a reforma de um deles para morar com Lívia, que era namorada do pai e vai se tornar sua mulher.
Aí temos a dupla acepção da palavra casa: em sua materialidade e, numa relação de contiguidade, família que mora nela.
Nos dois sentidos parece que tudo vai ruir nesse mundo vertiginoso do personagem cujo nome é revelado no final: Marcelo da Campina, uma brincadeira que joga com o nome e o local de nascimento do autor, nascido em Campina das Missões (RS).
O protagonista nada sabe sobre seu pai e, ao abrir os arquivos que estão num cofre, no seu apartamento da rua Delfim Moreira, Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro, o narrador descobre que o condomínio conhecido como Selva de Pedra foi construído no local onde havia a favela da Praia do Pinto, que pegou fogo em 1968.
Fica explícito que seu pai participou do incêndio criminoso, usado para expulsar os pobres que ocupavam a parte plana do bairro, assim como eles foram excluídos de outros locais, restringindo-se sua presença aos morros.
O pai se beneficiou da política "modernizadora" implantada a ferro e fogo pela ditadura militar, que não hesitou em perseguir os líderes comunitários que por ventura se rebelaram. Sobre a mãe do protagonista as únicas referências que perpassam o livro são o ódio que ela nutria pelo pai de Marcelo, que a pegou na Rocinha e a abandonou sozinha com o filho em um apartamento de Ipanema.
Trata-se de um romance sobre o esfacelamento familiar contado por um personagem-narrador surtado que, apesar de ter nascido e sido criado em Ipanema, mesmo dando-se o desconto que passou 12 anos no Seminário em Petrópolis, encontra-se na situação esdrúxula de não saber usar um cartão no caixa eletrônico.
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Apesar de sua incapacidade social no início do romance, aos poucos ele vai se comportando de maneira mais ou menos normal, perseguido pelo fantasma do pai: herda-lhe a mulher, os bens, os ternos e até um par de sapatos vermelhos. O espectro de um outro pai o envolve: o de João o Vermelho, personagem de seu romance precedente, "O Último Minuto" (Companhia das Letras, 2013).
Esse protagonista solitário e autocentrado é o típico órfão de família disfuncional que não chega a constituir uma identidade e não parece ter a mínima chance de sobreviver na selva de pedra que é nossa cidade.
Nesse sentido o romance se escreve a contrapelo do romance de formação de Goethe, já que a aprendizagem no contexto contemporâneo mostra-se inviável.
A CASA CAI
Autor Marcelo Backes
Editora Companhia das Letras
Quanto R$ 56 (432 págs.)
Avaliação bom
Livraria da Folha
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