Crítica: Com cenas antológicas, filme 'Timbuktu' é daqueles raros de se ver
Não se vê com frequência um filme como "Timbuktu". Na verdade, vimos algo semelhante há oito anos: "Bamako", o longa anterior de Abderrahmane Sissako.
Diretor de apenas quatro longas, Sissako, nascido na Mauritânia, tem uma das carreiras mais sólidas do cinema contemporâneo. É um artista que tem o que dizer, que possui o desejo de investigar seu papel no mundo, seus sentimentos. Um cineasta de verdade, em suma.
"Timbuktu" mostra uma tragédia. Uma família afetada pelo radicalismo de rebeldes islâmicos que tomaram o poder da cidade histórica do Mali (país vizinho da Mauritânia), tornada Patrimônio Mundial pela Unesco.
Divulgação | ||
Cena do filme 'Timbuktu', do diretor Sissako |
Grupos fundamentalistas islâmicos se apoderaram da cidade por oito meses, proibindo, entre outras coisas, qualquer tipo de música, além de terem destruído monumentos e instaurado o medo nos habitantes.
Eles tomaram conta do local impondo leis extremistas. Sua presença provocou fugas, intolerância e apreensão. E foi esse o momento retratado por Sissako em seu filme.
"Timbuktu" tem cenas antológicas. Sissako filma muito bem, entre o rigor de Béla Tarr e a fluidez de Raymond Depardon, com um trabalho fotográfico que destaca a cor desértica do local.
Podemos destacar o assédio de um dos líderes rebeldes a Satima, esposa de Kidane, um pacato dono de oito vacas; o momento em que o líder religioso conversa com outro dos líderes rebeldes; o pequeno sarau musical, temperado com lágrimas; a fuga após o assassinato acidental de um pescador, entre muitos outros.
O diretor tem um domínio raro do tempo. Os cortes são precisos, as cenas duram o que devem durar, as emoções surgem naturalmente, sem a habitual chantagem dos filmes que tocam em temas políticos.
O espectador terá a oportunidade rara de ver em ação um dos poucos autores a terem se formado nos últimos 20 anos. Mais: um autor que não se rende a modismos.
"Timbuktu" está entre os indicados para o Oscar de melhor filme estrangeiro. É quase impossível que vença, mas o que importa?
TIMBUKTU
DIREÇÃO Abderrahmane Sissako
ELENCO Ibrahim Ahmed aka Pino, Toulou Kiki, Abel Jafri
PRODUÇÃO França/Mauritânia, 2014, 14 anos
QUANDO estreia nesta quinta (22)
AVALIAÇÃO ótimo
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