Evento lembra que literatura não é sinônimo de best-seller
A abertura oficial de um evento em geral é aborrecida. A do Salão do Livro de Paris de 2015, no entanto, foi alvissareira, graças à intervenção do atual ministro da cultura, Juca Ferreira, que se valeu da ocasião para lembrar que a literatura explora e amplia as possibilidades da língua, revelando o seu tesouro. Noutras palavras, afirmou, em alto e bom som, que literatura não é sinônimo de best-seller, como quer o mercado. Só para ouvir isso, já teria valido a pena estar presente.
Juca Ferreira lembrou que, sendo a mais solitária das atividades, a literatura é a mais coletiva, pois, através da sua memória, o autor expressa a de todos. Em outros termos, a literatura está a serviço da pátria linguística. Terminou dizendo o que precisa ser dito e repetido: a cultura é decisiva para qualquer projeto de desenvolvimento sustentável, pois a paz requer a mudança das mentalidades.
Evocou a importância da relação entre a cultura francesa e a brasileira, que data de quando o Brasil ainda sonhava com a República porque, como diz Mario Quintana, o que devemos à França não é a cultura francesa, é a cultura universal.
A esse discurso contundente se seguiu uma mesa da qual participaram Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional, Felipe Lindoso, do Itaú Cultural, Jefferson Assunção, do MinC, e o escritor Fernando Morais. Renato Lessa insistiu na importância da internacionalização da literatura brasileira e afirmou, oportunamente, que o programa de formação de tradutores da Biblioteca não será sazonal, pois ela é a guardiã do patrimônio bibliográfico brasileiro.
Fernando Morais fechou a mesa dizendo que, para transportar a cultura de um país para o outro, a mais poderosa das instituições é a arte. Lembrou que os Estados Unidos conseguiram o prodígio de transformar os caubóis em heróis —a exemplo de John Wayne, que encarnou o maior dos genocídios cometido pelo país. Na mesma linha, evocou o último filme de Clint Eastwood, "Sniper Americano", que consagra a brutalidade americana, sacralizando o assassinato.
Concluiu, falando da cultura como "soft power", insistindo na ideia de que a cultura exerce influência sem violência, podendo portanto ser um instrumento de paz. Assim, a unificação da Angola se deve à língua portuguesa.
Quem participou do Salão do Livro de Paris em 1998, como eu, percebe que, desde então, muitas águas rolaram. Isso também se deve a uma organização mais afinada —com tradutores bem formados para acolher os escritores— e uma curadoria que não deixa nada a desejar.
p.(tagline).BETTY MILAN é escritora e psicanalista, autora de "Carta ao Filho" (ed. Record)
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