Grandes coisas surgem de nossos erros, afirma Al Pacino, aos 74
Al Pacino entra na sala de de um hotel em Toronto, onde o filme "O Último Ato" estreou na América do Norte, e caminha diretamente para o janelão de vidro, de onde podemos ver boa parte do centro.
"Isso é perturbador", diz um dos maiores atores de todos os tempos. "Quando eu era criança, no South Bronx [bairro de Nova York), costumava escalar telhados e vigas de construções. Nem me importava. Mas ultimamente, só de olhar essa janela, já fico com um frio na barriga."
Muita coisa mudou desde que Alfredo James Pacino saiu do gueto para entrar para a história como Michael Corleone de "O Poderoso Chefão" (1972), Tony Montana de "Scarface" (1983) ou Frank Slade de "Perfume de Mulher" (1992). Aos 74 anos, não é apenas o medo de altura que o faz pensar no passado.
Pacino está fazendo o mesmo na profissão. Tanto "O Último Ato", adaptação do romance "A Humilhação", de Philip Roth, no qual faz um ator em crise, quanto "Não Olhe para Trás", sobre um roqueiro da velha guarda, avaliam o passar dos anos para um artista.
Depois da entrevista, surgiu a informação de que o ator negocia a vinda ao Brasil em agosto (Rio e SP), para apresentar em teatro uma revisão de seus personagens do cinema. Segundo o jornal "O Globo", a vinda é certa.
*
Folha - Mesmo sendo um dos maiores atores de todos os tempos...
Al Pacino - Por favor, são elogios que inventam por aí...
Mas é verdade. O que queria perguntar é: você ainda se sente inseguro como seus personagens mais recentes?
Trato a insegurança de maneira prática. Se uma cadeira na sala está fora de lugar, não fico pensando muito onde colocá-la: vou lá e a movo para onde quero. É a minha filosofia. Quando tenho um novo papel, fico inseguro, mas o interpreto e logo isso passa.
Seu papel em "O Último Ato" é sobre um ator em fim de carreira, deprimido com a idade. Sente-se assim?
Ainda tenho bastante apetite para trabalhar e isso é positivo na minha vida. Para subir no palco, interpretar Shakespeare, você precisa ter gana, porque passará o dia no teatro, preparando-se e ensaiando. Meu personagem tem razões psicológicas e físicas para chegar ao estado em que se encontra.
Já sentiu limitações físicas?
No cinema, nem tanto, porque você consegue fazer personagens mais jovens com alguns truques, mas não dá para fazer isso nos palcos. Você precisa ser um atleta para atuar no teatro, porque papéis principais são exigentes. Se quiser fazer "Rei Lear", precisa ter força física.
Lembro-me de quando fiz um soldado na Guerra do Vietnã na peça "The Basic Training of Pavlo Hummel" [em 1977, pela qual ganhou o Tony, Oscar do teatro], eu precisava carregar um colega morto nas costas, subir uma rampa, onde era esfaqueado por um vietcongue e saía rolando pelo palco [risos]. Não posso mais fazer isso!
Há algo em comum entre você e seu personagem em "O Último Ato"?
Claro, muitas coisas. O que gosto no livro é que se passa em um mundo que conheço. Pensei como seria bom fazer um filme sobre algo familiar.
Mas você já perdeu o controle sobre sua arte, como ocorre com o personagem?
Nunca. Já esqueci palavras, claro, mas nunca fazendo Shakespeare. O personagem é diferente. Ele não teve apoio na vida, não tem família, amigos, não foi pra terapia e não tira folga. As coisas que o deixavam satisfeito não o deixam mais.
Qual pergunta você nunca ouviu e gostaria de responder?
Deixe-me ver... Esse é o momento em que deveria falar algo que me metesse em encrenca [risos]. Não sei, já ouvi de tudo. Me pergunte alguma coisa.
Em outro filme recente," Manglehorn" (2014), você faz uma mulher sofrer e paga o preço. E na vida real?
Sofri mais que as mulheres [risos]. Olha, todos nós sofremos, faz parte do nosso mundo. Mas nada é de propósito.
Você tem três filhos adultos. Não se arrepende de nunca ter casado?
Não sei o porquê, mas não me arrependo. Houve duas vezes em que deveria ter feito a proposta, talvez, e me pergunto o que teria acontecido caso fizesse o pedido de casamento. Mas não me arrependo, porque grandes coisas surgem de seus erros.
E quanto aos filmes, existe algum arrependimento?
Tive alguns fracassos artísticos e isso não acontecerá novamente. Não me permito mais errar como errei. Preciso estar faminto para fazer um projeto e me sentir conectado ao material. Tenho uma nova ética de trabalho.
Você vê os próprios filmes? Eu não consigo mudar de canal quando "O Poderoso Chefão" está passando na TV...
Interessante, eu vi "O Poderoso Chefão 2" (1974) pela primeira vez em mais de 20 anos há pouco tempo, preciso confessar. Ele me levou para uma viagem pelas memórias na qual comecei a me perguntar quem era aquele sujeito, onde eu estava naquela época...
Francis [Ford Coppola, o diretor] fez um grande trabalho e entendo por que as pessoas são tão exigentes comigo. Fiz muitos filmes corajosos para a época, mas atuei em alguns que nem me lembro de ter feito [risos]. Ocasionalmente, me pego vendo algum longa meu e aprendo algo, mas tento evitar.
Você teve algum problema em livrar-se de seus personagens?
Quando era mais jovem achava mais difícil, mas com a idade você aprende a lidar com isso. Hoje, assimilo e me liberto mais facilmente. Michael Corleone foi maravilhoso de interpretar, mas exigiu muito de mim na época. Precisei ir a lugares sombrios da minha alma, e ele demorou para sair de mim. Foi o mesmo com "Um Dia de Cão" (1975).
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