Diretor de 'Tabu', Miguel Gomes disseca crise em Portugal com trilogia
O diretor português Miguel Gomes ("Tabu") passou pelo Festival de Cannes, que termina neste domingo (24), como um furacão. Comemorou o título do campeonato nacional do Benfica em cima do palco, de bandeira na mão.
Ele trouxe para a mostra paralela Quinzena dos Diretores um dos projetos mais falados do evento, a trilogia "Mil e Uma Noites". Apresentou cada um dos três filmes em dias diferentes, provocando longas filas e aplausos de pé.
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Imagem do longa "Mil e uma Noites", dirigido pelo português Miguel Gomes. |
"Adorei essa confusão", diz Gomes à Folha. "As pessoas não sabiam qual filme estavam vendo. Gosto disso, porque são independentes."
Mas "O Inquieto", "O Desolado" e "O Encantado", subdivisões de "As Mil e Uma Noites", não tiveram um caminho fácil rumo à França.
Há quatro anos, Gomes estava prestes a rodar no México quando a crise econômica em Portugal chegou ao seu auge. A troika –União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu–criou um programa intervencionista no país.
Gomes não apenas ficou em Portugal como criou uma trilogia repleta de metalinguismo, surrealismo e realismo crítico. "'As Mil e Uma Noites' tem tudo a ver com crise, porque ouvimos histórias absurdas e dramáticas no país", afirma o diretor.
"Acho um paradoxo que países do norte da Europa tenham feito filmes sobre a recessão, e a região ibérica não tenha gerado nenhum. Espero que meu longa mude isso."
"As Mil e Uma Noites" toma emprestado do livro homônimo apenas o fato de ser um celeiro de várias histórias entrelaçadas com casos bizarros e trágicos. "Por um ano, fiz uma lista de crimes cometidos em Portugal e 90% dos que foram transportados para o longa são reais, muitos deles surreais", diz ele. "Mas não quero convencer ninguém sobre política social. Meus filmes não são Testemunhas de Jeová."
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Imagem do longa "Mil e uma Noites", dirigido pelo português Miguel Gomes. |
Essa mistura de fantasia e realidade, porém, não chegou a agradar Thierry Frémaux, diretor artístico de Cannes. "Na véspera do anúncio da seleção oficial, nos avisaram que não estaríamos na competição pela Palma de Ouro. Ofereceram um lugar na [mostra paralela] Um Certo Olhar", explica Gomes. O problema ficou maior quando Frémaux disse que não aceitaria exibir "As Mil e Uma Noites" de forma separada –queria uma sessão de seis horas com pequenos intervalos.
O diretor então decidiu levar a trilogia para a Quinzena dos Diretores, mostra paralela que ganha cada vez mais prestígio. A opção ousada reverberou. Frémaux, em entrevista à revista "Télérama", declarou que Miguel Gomes "faz parte desses cineastas privilegiados por parte da crítica, que consagra filmes como obras-primas antes de serem vistos".
O português, no entanto, diz que não há nenhuma mágoa por não ter ido para a mostra principal. "Não serei hipócrita de falar que, se tivesse sido selecionado para a competição, teria recusado a Quinzena", revela. "Mas, a partir do momento que essa hipótese não existia mais, deixei tudo para trás."
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