CRÍTICA
Banksy pinta 'política pop' para burgueses se sentirem mais radicais
"Ninguém nunca me ouviu", a pessoa – ou pessoas – hoje conhecida(s) como Banksy escreveu, certa vez. "Até que não soubessem quem era eu".
O artista de rua cuja obra "Silent Majority", pichada na lateral de uma casa sobre rodas, foi vendida por mais de 445 mil libras (cerca de R$ 2,2 milhões) na semana passada em Paris, criou um novo mercado para a arte. Em uma cena notória pela manipulação e instabilidade, Banksy viu suas obras dispararem em valor, mas ele as distribui de graça.
Cuidadosamente construído e sustentado com humor, o personagem de Banksy é determinadamente anônimo. Seus espertos estênceis ficam no limite entre brilhante provocação e arma de choque populista. Ele é o grafiteiro que pinta slogans pop políticos para permitir que os burgueses sintam um frisson de radicalismo.
Em sua melhor forma, Banksy é capaz de iluminar questões com verve real e acessível. Nos momentos piores, ele é um artista para pessoas que na verdade não gostam de arte contemporânea, e faz os preguiçosos se sentirem vanguardistas, permitindo que astros de Hollywood se sintam antenados e ostentem engajamento social.
Banksy é um zero, necessariamente anônimo porque pichações são ilegais. Ele é uma marca, uma assinatura de parede. Será um homem ou mulher? Ou quem sabe um coletivo?
QUEM É?
Uma das hipóteses é de que Banksy se trata de Robin Banks, que começou como grafiteiro em Bristol no começo dos anos 1990, em companhia de Nick Walker – mais tarde contratado pelo cineasta Stanley Kubrick para recriar as ruas pichadas de Nova York em "De Olhos Bem Fechados", seu último filme. Também parte desse grupo underground era 3D, ou Robert del Naja, que mais tarde formaria o influente grupo de trip-hop Massive Attack.
Banksy começou como artista de desenho livre -"Silent Majority", pintado durante o festival de Glastonbury em 1998, é um exemplo de seu estilo inicial. Mostra os clubbers, ravers e hip-hoppers da era como soldados de forças especiais, com a legenda "melhor não confiar demais em maiorias silenciosas... porque o silêncio é uma coisa frágil... basta uma nota alta e ele se vai".
A citação é de "V de Vingança", graphic novel de Alan Moore sobre a ascensão do Estado de segurança diante do terrorismo. Tipicamente, para Banksy, é uma peça de falsa sabedoria em segunda mão.
Ele mais tarde digeriu a influência de artistas de rua que trabalhavam com estênceis, especialmente o brilhante provocador francês Xavier Prou (pseudônimo: Blek le Rat), e até copiou os ratos que eram a assinatura do artista mais estabelecido. A obra do francês era composta de desenhos em estêncil que cobriram as paredes de Paris nas revoltas estudantis de 1968, muitos deles retratando a temível polícia de choque francesa.
Banksy também retrataria policiais britânicos, e uma de suas imagens mais conhecidas é "Kissing Coppers", de dois policiais se beijando, pintada na parede de um pub em Brighton e vendida por 575 mil libras (cerca de R$ 2,75 milhões) em Miami, no ano passado.
Banksy atribui sua conversão ao estêncil a um episódio no qual, ao se esconder da polícia sob um carrinho de lixo, reparou no número do veículo, pintado com um estêncil.
Parece bom demais para ser verdade, mas a técnica o serviu bem.
Suas imagens - simples, notáveis e desenhadas habilidosamente - se tornaram parte do léxico cultural contemporâneo: um manifestante jogando um ramalhete de flores; policiais de choque com rostos sorridentes em estilo "acid house"; chimpanzés usando coletes nos quais se lê "pode rir, mas um dia nós estaremos no comando".
Até os cínicos têm de sorrir; a empregada que levanta uma parede como se fosse uma cortina, para varrer o pó para baixo dela, pintada na lateral da galeria White Cube, em Hoxton, se tornou sensação.
Sua contribuição para a Olimpíada de Londres foi um desenho de crianças costurando decorações com as cores britânicas, na lateral de uma loja de 1,99 chamada London Poundland, no norte de Londres – uma das primeiras referências à exploração de mão de obra barata que explodiria na consciência pública depois do desastre de Rana Plaza, no ano seguinte.
OVOS DE OURO
Alguns de seus alvos são fáceis demais. Por exemplo, o uso de Ronald McDonald ou Mickey Mouse para personificar a hegemonia dos Estados Unidos. Uma grande imagem perto de uma estação de metrô em Old Street, em Londres, mostrava John Tavolta e Samuel L. Jackson em uma cena de "Pulp Fiction", mas segurando bananas em lugar de armas.
Acabou removida por funcionários dos serviços de transporte londrinos em 2007 - ainda que um porta-voz da empresa de transporte tenha insistido em que seus colegas agiram assim como "profissionais da limpeza" e não como "profissionais da crítica de arte".
A obra impressionava, mas era também banal, uma condenação superficial da violência de Hollywood que na verdade reverenciava a imagem cool dos personagens retratados.
Em 2013, ele contratou um ambulante do Central Park para vender gravuras em Nova York por US$ 60 cada (cerca de R$ 180), e postou um vídeo que mostrava uma jovem mãe negociando uma barganha sob a qual ela comprava uma peça e ganhava uma segunda como brinde.
Em um dia inteiro de trabalho, o ambulante vendeu, por um total de 420 libras, peças semelhantes às que foram arrematadas por mais de 20 mil em um leilão da Bonhams meses atrás.
Banksy se recusa a autenticar sua arte de rua, afirmando que o lugar dela é na cidade e não nas paredes de uma galeria. Mas a "Pest Control", a empresa que lhe serve de fachada, autentica peças em papel. Os golpes de publicidade cuidam do marketing, a galeria cuida do cash flow: um círculo virtuoso de lucro e publicidade.
Outros artistas conseguiram façanha semelhante. "Hope", retrato pintado pelo artista de rua e ativista Shepard Fairey, se tornou o logotipo extraoficial da campanha presidencial de Barack Obama em 2008.
Mas as operações de Banksy estão em patamar diferente. Ele incorpora o adágio de Marshall McLuhan de que o meio é a mensagem.
Quando proprietários de edifícios removem paredes que Banksy pichou, os pedaços de tijolo e concreto se tornam o Gesamtkunstwerk do avanço da sociedade burguesa – obras totais de arte no qual o mercado imobiliário, arte e arquitetura do século 21, além de roubo, mercado negro e mídia viral se combinam em um mingau de imagens instantaneamente acessíveis para expressar o vazio da era e o desejo de ser parte de um protesto contra... Bem, contra qualquer coisa.
EDWIN HEATCHCOTE é crítico de arquitetura do "Financial Times'
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Livraria da Folha
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