opinião
Coleman foi da linhagem dos grandes renovadores das artes
Ornette Coleman foi quem mostrou ao jazz, no final dos anos 50, que tudo parecia construção, mas já era ruína.
O saxofonista e maior nome do "free jazz", morto na quinta (11), aos 85 anos, iniciou esta trajetória de desconstrução sete décadas atrás.
AFP | ||
Ornette Coleman se apresenta em Roma em foto de 1983. |
Sua família, do Texas, era pobre, mas aos 14 anos, munido de uma caixa de engraxate e com a ajuda de sua mãe, balconista numa funerária, comprou um saxofone.
Os primeiros sopros já traziam o retorno do público com o qual se acostumaria em parte da carreira: a repulsa.
A sonoridade de seu instrumento era tão diferente que, diz Coleman e atestam contemporâneos, em sua primeira experiência profissional relevante, o líder da banda, Pee Wee Crayton, chegou a pagar para que ele não improvisasse.
Era só o começo. Em Baton Rouge, no Mississippi, foi espancado por um grupo de músicos que não apreciaram sua maneira de tocar. E na Califórnia, onde se radicou no início dos anos 1950, fazendo uso de um saxofone branco de plástico, tornou-se sinônimo de piada. O contrabaixista Howard Rumsey relatou: ''Os músicos entravam em pânico e o público chegava a rir quando se falava no nome Coleman''.
Durante algum tempo, trabalhando como ascensorista, aproveitava os intervalos entre subidas e descidas para estudar livros de harmonia e criar as primeiras frases de seu vocabulário musical.
A sintaxe só conseguiu organizar quando se mudou para Nova York. Corriam os 1950, e o jazz moderno era o produzido por Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk e os outros artífices do bebop.
Se Parker, o Bird, abriu a porta da gaiola do jazz, com um estilo que incorporava uma variação inédita de fraseados e harmonia, Coleman já começava a assoprar uma música na qual não havia nem gaiola.
Mais adiante, ao cunhar o termo "harmolodics", chegou a uma síntese de sua filosofia musical. "Harmonia, melodia, velocidade, ritmo, tempo e frases, todos esses elementos têm o mesmo peso no processo de colocação e espaçamento de ideias."
Quando fez suas primeiras gravações, em 1958 e 1959, o patinho começou a deixar de ser feio a alguns olhos.
John Lewis, influente pianista do Modern Jazz Quartet, disss em 1960: ''Ornette Coleman é a primeira pessoa a realizar algo novo no jazz desde Charlie Parker e Dizzy Gillespie, em meados dos anos 40".
Depois conquistaria a admiração de expoentes da música erudita, como Leonard Bernstein, influenciaria roqueiros, como Frank Zappa, experimentaria a música africana e outros instrumentos, como violino e trompete. Foram mais de três dezenas de discos e muitos prêmios.
Foi da mesma linhagem de renovadores de linguagem que Marcel Duchamp, nas artes, de James Joyce, na literatura, de Eisenstein, no cinema.
Num quarto de hospital de Manhattan, nesta quinta-feira, terminou mais um pedacinho do século 20.
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