Cristiano Burlan mostra apuro visual em seu 'Hamlet'
Hitchcock dizia que o cinema é como a vida sem as partes chatas. O neorrealismo italiano, por outro lado, incorporava essas partes chatas, abdicando muitas vezes da dramatização e apostando em "pedaços da vida".
Cristiano Burlan é um dos jovens diretores brasileiros a seguir de perto essa premissa neorrealista, desde seu primeiro longa, "Corações Desertos" (2006). O estilo do diretor é melhor burilado no segundo filme, "Sinfonia de um Homem Só" (2012), assim como a ideia de solidão.
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Cena do filme "Hamlet", de Cristiano Burlan |
Mas seu melhor filme é o documentário "Mataram Meu Irmão" (2013), com o qual tenta lidar com o traumático assassinato do irmão, em 2001.
Após "Amador" (2014), em que investiga o processo de criação de um filme, Burlan realiza "Hamlet", onde vemos igualmente um processo: a montagem da peça célebre de Shakespeare.
Procurar novas formas de representar o bardo não é novidade. É notável, por exemplo, a adaptação de "Hamlet" feita por Ozualdo Candeias em "A Herança" (1971). Sem dinheiro para a dublagem dos atores, Candeias inseriu sons de animais no lugar de algumas falas. E no clássico "ser ou não ser", David Cardoso segura uma caveira de bode.
Burlan filma uma representação teatral contemporânea de "Hamlet" nas ruas da capital paulista, centro da verticalização galopante e desumana.
No elenco, Jean-Claude Bernardet como o fantasma do pai, Rejane Arruda como a diretora da peça e Henrique Zanoni, ator-fetiche do diretor, como um Hamlet que, segundo suas palavras, não tem nada de bossa nova, e é mais propício ao rock 'n' roll, à música eletrônica, à cocaína.
Tirante os movimentos bruscos da câmera que registra prédios de São Paulo, o início do filme é animador. Lembra "Moscou" (2009), de Eduardo Coutinho, mas com uma identidade própria.
Quando filma a peça em si, encenada em cenários diversos e contemporâneos, fica evidente que nem Bernardet, nem Zanoni (que está ótimo em "Amador") têm estofo para tamanha densidade dramática. É algo contornável dentro do filme, mas incomoda um pouco.
O que faz a balança pender para o positivo é o apuro visual característico do diretor, como na cena das marionetes, e também os truques narrativos, como no esperado momento do "ser ou não ser".
Mesmo em um filme tateante, o que faz Burlan é mais interessante que a média do cinema autoral recente.
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