TV paga exibe bons documentários nacionais nesta semana; programe-se
SEGUNDA-FEIRA (15)
"Uma Noite em 67" (2010, Arte1, 16h30) não é apenas a colagem de eventos ocorridos na final do famoso festival de MPB da TV Record, edição de 1967. É bem mais.
Havia, de um lado, a ala nacionalista (Edu Lobo, Chico Buarque etc.), ou conservadora, ou esquerdista, como queira. Em suma, os adeptos do violão tradicional.
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Caetano Veloso em cena do documentário "Uma Noite em 67", produzido por João Moreira Salles |
Do outro ficavam os internacionalistas, ou revolucionários, ou tropicalistas (Gil, Caetano, Mutantes), como queira. Os adeptos da guitarra elétrica.
Para além de disputas que hoje podem parecer surreais, existia uma plateia histérica, torcendo aos berros por uns ou outros. Quantas pessoas? Seriam mil? Duas mil? Não importa: ali elas se encontravam e, de um modo ou outro, externavam um desejo de vida e mudança (em relação à ditadura).
Relatar essa noite com a precisão que faz este filme equivale a recuperar um estado de espírito de parte relevante da população em certo ponto da nossa história.
TERÇA-FEIRA (16)
Estranho filme, este "Escritores da Liberdade" (2007, TC Touch, 20h10). Ali, Hilary Swank é uma professora que se depara com uma turma de alunos dessas que, habitualmente, os mestres limitam-se a empurrar com a barriga, conformados com a ideia de que não aprenderão nada, nunca.
Usando de métodos nada convencionais, Hilary põe na cabeça que as coisas podem ser diferentes. Ok, mas a direção, os inspetores, a secretaria de Educação – enfim, todo o sistema de ensino – acha o contrário: quer que os alunos se lasquem.
Bem, é mais ou menos aquela história que se conta e reconta desde "Sementes da Violência", isto é, há 60 exatos anos. A questão aqui é: porque o inconformismo da professora resulta em um filme tão convencional como este de Richard LaGravenese? Por que, tendo Hilary, e ainda Imelda Stanton, Scott Glenn etc., a liberdade está tão dentro da história e tão longe, afinal, do filme?
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Cena do filme "Escritores da Liberdade", com Hilary Swank |
QUARTA-FEIRA (17)
Sim, estou sabendo, "Acossado" (1960, TV5 Monde, 0h46) passou outro dia. Mas eis um filme sobre o qual sempre há muito ainda por dizer. Por exemplo: Godard filmou sem roteiro. Chegava de manhã, sentava num café e escrevia as sequências do dia. Se não tinha ideias, não tinha filmagem.
Enquanto filmava, a opinião geral era de que aquelas imagens não poderiam ser montadas: não tinham continuidade. Daí a montagem que revolucionou o cinema, com sua exuberante descontinuidade.
E que dizer da fotografia de Raoul Coutard, feita com filme fotográfico, que ele mesmo colava para usar na câmera de cinema e depois ele próprio cuidava de revelar? Ou da câmera móvel, inquieta, na mão?
E mais: a história do gângster Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) e sua amiga americana (Jean Seberg) contém todos os gêneros, quase, e a graça e a leveza que revolucionou o cinema sem nenhum pedantismo.
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Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo em cena de "Acossado", longa de Jean-Luc Godard |
QUINTA-FEIRA (18)
Um espetáculo à parte em "A Árvore da Vida" (2011, TC Cult, 14h55) é a expressão facial de Brad Pitt. Ele não é mais o mocinho-galã de tantos filmes: é um pai americano empenhado em educar seus filhos com a melhor das intenções.
E também com inflexibilidade incomum. E isso está no seu rosto, na expressão corporal: a incapacidade de compreender o mundo além do seu quintal. A capacidade de, com seu amor, produzir dores sem fim.
É essa a história, afinal, do filme de Terrence Malick: a história da dor. Uma dor que percebemos tão mais sem saída quando o diretor nos leva a uma viagem pelas eras do planeta, dinossauros incluídos (o que alguns maldosamente chamam de momento "National Geographic" do filme).
Por falar em dor, o mesmo Telecine traz o documentário "Mandela" (1996, TC Touch, 14h15): viagem à dor dos negros a partir da trajetória do importante líder sul-africano.
SEXTA-FEIRA (19)
Quem começou a conhecer o cinema há poucos anos talvez se espante com "Alemanha Ano Zero" (1948, Arte1, 0h). Não, não há nenhuma trucagem, nada digital: Roberto Rossellini foi de fato à Berlim destruída do pós-guerra para falar da Alemanha.
E a destruição, naquilo que nos mostra por imagens e palavras, não é apenas física: é sobretudo moral. Podemos experimentá-la a partir da moça que se vende aos ocupantes para obter o mínimo de comida para o pai doente. Mas é o menino, o irmão mais novo, o que melhor nos informa sobre o cinema revolucionário de Rossellini. Não só pelo realismo radical, mas também por essa narrativa que segue os passos do menino, que erra junto com ele pelos escombros da cidade, pelos restos de edificações.
Ele não vai a lugar algum: perambula. Ele não tem finalidade: apenas tenta entender o incompreensível mundo em que lhe foi dado viver.
SÁBADO (20)
É estranha a história de "Santiago" (2007, Arte1, 18h). João Moreira Salles filmou em 1992 as imagens com o velho mordomo de sua família, mas não sabia muito bem o que fazer com elas e deixou-as de lado por vários anos.
Só bem mais tarde as coisas pareceram fazer sentido ao documentarista. Sim, talvez fosse preciso um bocado de distanciamento para se aproximar de seu personagem (e não mais da pessoa familiar que conhecera).
Eis um filme dilacerado entre a própria classe social (a aristocracia a que pertence o autor) e a outra (o proletariado, da personagem). Entre a experiência abstrata de compreensão do outro e a quase impossível experiência concreta da alteridade que permite nossa história (a do Brasil escravagista, onde o fim do tráfico de escravos surpreende uma sociedade acostumada a não fazer nada!).
A beleza, aqui, é dessa chaga, da dilaceração (pessoal, inclusive) que JMS traz à luz.
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O mordomo Santiago Merlo, que está no documentário "Santiago", dirigido por João Moreira Salles |
DOMINGO (21)
Digamos, para simplificar, que em "El Sur" (1983, TV Brasil, 0h) existe uma menina e seu pai. E também o norte e o sul. Da Espanha, sim. O norte é onde ela vive, onde está também seu pai. O sul... bem... O sul é o lugar do mistério.
Não se trata apenas de algo geográfico. Trata-se dessas palavras, dessas expressões que, vistas ou ouvidas na boca do pai, tornam-se mitos pessoais. Como traduzir isso em imagens? E como conciliá-las com a descoberta do mundo?
É essa a mágica de Victor Erice, autor espanhol de raros filmes, cada um mais fascinante, belo e talentoso do que outro. Pela voz de Estrella sentimos o mistério de existir, de experimentar o mundo, de crescer, de viver suas contradições. Pois no Sul há uma outra vida, adulta, ainda indecifrável.
Seria injusto, ao falar desse filme invulgar, omitir a presença forte de Omero Antonucci como o pai ou a luz de Jose Luis Alcaine.
Livraria da Folha
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