CRÍTICA
Edição notável de cartas revê últimos anos de Machado de Assis
Em carta de 19 de julho de 1908, respondendo à mensagem de José Veríssimo, na qual o crítico comentava a impressão causada pela leitura de "Memorial de Aires", Machado de Assis confessou: "O livro é derradeiro; já não estou em idade de folias literárias nem outras". Esse é o tom dos últimos anos do autor de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Alguns meses antes, Machado começou a preparar sua despedida. Em 21 de abril, em carta a Veríssimo, depois de duvidar do valor de sua correspondência, concordou com solicitação do amigo, concedendo "autorização de recolher e a liberdade de reproduzir as letras que lhe pareçam merecer divulgação póstuma".
Divulgação | ||
Selo lançado nos 50 anos da morte de Machado de Assis, em 1958. |
A anuência foi finalmente materializada com a publicação do último tomo da "Correspondência de Machado de Assis". Trata-se de feito editorial notável, realizado sob a coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet.
A série de cinco volumes foi muito enriquecida pelo excepcional trabalho, levado a cabo por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério, de reunião do material e de pesquisa para a confecção de esclarecedoras notas.
O coordenador resumiu o valor da iniciativa: "Com 340 documentos, incluindo cartas, cartões e telegramas, este quinto e último tomo é o mais volumoso da série, que abrange assim, no total, 1.178 itens".
Três eixos principais definem o universo machadiano nesses anos derradeiros.
Em papéis avulsos dessa ordem, dominam temas pessoais, com destaque para a troca franca e fraterna com Mário de Alencar, na qual aparecem comentários sobre a epilepsia. Na carta de 29 de agosto de 1908, Machado revelou ao jovem amigo: "Reli uma página da biografia do Flaubert; achei a mesma solidão e tristeza e até o mesmo mal, como sabe, o outro...".
A preocupação com o perfil da Academia Brasileira de Letras assume dimensão própria. Rouanet, com sua agudeza habitual, abriu um novo caminho de pesquisa: "Por pressão de [Barão do] Rio Branco [diplomata e historiador], eleito para a ABL em outubro de 1898, ela se tornaria um instrumento de política externa".
Os paralelos com o Brasil de hoje são saborosos: de um lado, visitantes ilustres foram convidados, e, de outro, o Rio de Janeiro tornou-se a sede de eventos internacionais.
Na avaliação de Rouanet: "Machado encarna com perfeição o papel de um diplomata infiltrado que não sabe ainda se quer ser um estadista, como Nabuco, ou um simples observador de vidas alheias, como o Conselheiro Aires".
O interesse maior reside na gênese e primeira recepção do "Memorial de Aires". Em 16 de dezembro de 1907, Mário de Alencar duvidava da própria sorte: "A emoção e o orgulho de ter em mãos (...) por espontâneo oferecimento seu, o exemplar em provas de um romance não conhecido nem lido de ninguém".
Nas três páginas dessa importante missiva, encontra-se a primeira reação ao livro, assim como a identificação de Carolina como inspiração para a personagem Dona Carmo: "Eu, que adivinhei o modelo, li-o comovido".
Os cinco tomos da "Correspondência de Machado de Assis" representam a maior contribuição recente aos estudos machadianos. Impõe-se aos pesquisadores a tarefa de imaginar novos ângulos de estudo a partir desse material.
CORRESPONDÊNCIA DE MACHADO DE ASSIS - TOMO 5
ORGANIZADOR Sergio Paulo Rouanet
EDITORA Academia Brasileira de Letras
QUANTO R$ 90 (546 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
Livraria da Folha
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