Colm Tóibín desbrava vida familiar em 'Nora Webster', seu novo romance
Enquanto o mundo mudava bastante rápido nos anos 1960, na pequena cidade de Enniscorthy, no sul da Irlanda, em que Colm Tóibín nasceu, a contracultura, os Beatles e o feminismo pareciam algo distante, que só podia ser visto pela televisão.
"Só que não era. O comportamento e a sociedade estavam se transformando ali também, mas de modo mais gradual e particular, até que a mudança se impôs completamente", diz Tóibín, 60, em entrevista à Folha, por telefone, de Dublin. "Eu não sabia, mas o mundo em que iria crescer já ia ser completamente diferente."
Bryan Bedder/Getty Images/The New Yorker | ||
O escritor Colm Tóibín durante palestra em Nova York. |
Em seu mais novo romance, "Nora Webster", que apresenta no Brasil na Flip, no dia 2/7, Tóibín trata de sua própria experiência, mas do ponto de vista de uma mulher.
A protagonista é inspirada em sua mãe, que ficou viúva naquela época, quando o autor era um garoto.
"O que ela conhecia era só o universo sufocante da vila onde vivia, o olhar controlador dos vizinhos e dos padres, as amarras de um comportamento a que deveria responder por conta de uma espécie de consenso religioso e social, as pequenas intrigas entre moradores", diz.
"A ideia de que mulheres podiam ficar independentes e levar outra vida era distante, mas começou a se fazer palpável. Minha mãe viveu essa transição", completa.
Suas lembranças de garoto alimentam também a construção do personagem Donal, que, como ele, era pouco comunicativo, gaguejava e que se encontrou na arte. No caso do personagem, na fotografia.
"É o que o faz exprimir seus sentimentos sem ter de falar. Depois da morte do meu pai, também fiquei gago temporariamente. Escrever foi se transformando na saída."
CASAMENTO GAY
Tóibín é homossexual e esteve engajado na campanha pela aprovação do casamento gay na Irlanda, por meio de um referendo, em maio.
"A rapidez com a qual o homossexualismo foi sendo aceito foi muito rápida, ainda que se considere o contexto de abertura econômica do país, a chegada de mais estrangeiros, as redes sociais etc. Temos de pensar que até 1993, era algo criminalizado, ilegal, na Irlanda. E hoje somos o primeiro país a aprovar isso em consulta à população."
O escritor acrescenta, porém, que a igreja e antigos comportamentos seguem influentes em muitas partes.
"Nas cidades pequenas, como a minha, ainda é um tema não discutido abertamente. Em Enniscorthy, todos sabem que sou gay porque não paro de falar disso e de fazer campanha [risos]. Mas ninguém conversa sobre o assunto comigo."
Neto de um membro do grupo separatista IRA (Exército Republicano Irlandês), Tóibín diz que o patriotismo e a política eram temas predominantes nos assuntos dos adultos na casa na qual cresceu, mas que por isso mesmo prefere que suas tramas não sejam essencialmente políticas.
"Eu me envolvia com aquilo, mas creio que aprendi muito mais ouvindo as conversas entre minhas tias e minhas irmãs", conta.
Conhecido por construir personagens femininas com sensibilidade, como Nora Webster, Tóibín afirma que a seriedade com que via aquelas familiares tratarem de "temas mundanos, como roupas e vizinhos", trouxe-lhe muitos instrumentos para sua escrita.
"Geralmente, escutamos essas coisas quando somos garotos muito quietos, de quatro ou cinco anos. E fica para sempre em nossa cabeça. García Márquez também dizia que as conversas de suas tias inspiravam suas criações mais fantasiosas."
O escritor já teve lançados no Brasil "A Luz do Farol" (2004), "O Mestre" (2005), "Brooklyn" (2011), "O Testamento de Maria" (2013) e a coletânea de contos "Mães e Filhos" (2008). Diz que resiste a achar eixos em sua obra, como fazem os críticos literários ao dividir entre os "livros gays" e os "livros de exílio", mas reconhece que alguns temas são recorrentes.
"A ideia de estar exilado, de levar um país com você e de ser sempre estrangeiro é muito literária. Somos uma pessoa por fora e outra por dentro, e viagens exacerbam isso. Escrever passa a ser uma maneira de dar voz para a sua pessoa interna", resume.
Tóibín já viveu na Espanha, nos Estados Unidos e passou temporadas na Argentina. Mora entre a Irlanda e a Catalunha.
O escritor, que esteve na segunda edição da Flip, em 2004, disse que guarda lembrança de Paraty nessa época como "um local e um momento em que as pessoas realmente se mostram interessadas em livros, e de maneira eufórica", conta.
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