crítica
Semana na TV oferece 'Dia de Fúria', trilogia Bourne e 'Ratatouille'
SEGUNDA-FEIRA (27)
Se fosse feita de água, a lista de filmes bons, ótimos ou interessantes que a TV, paga ou não, deixa de exibir por comodismo ou incompetência poderia encher a Cantareira, hidratar o sertão, tornar fértil o Saara etc.
No momento, é a TV Brasil quem vai atrás deles e de tempos em tempos entra com um ciclo forte. Esta semana é a vez dos iranianos. Para começar, há "Tempo de Cavalos Bêbados" (2000, às 23h), que não é tudo isso, mas com sua história de família pobre lutando para sobreviver no Curdistão, ganhou a Camera d'Or (prêmio ao primeiro filme) em Cannes.
Mas que não se desprezem as opções que o dia oferece: a Trilogia Bourne (2002, 2004, 2007) vem completa no Space (16h10, 18h20 e 20h15). Os dois últimos são os melhores, de longe.
No TC Cult, dois faroestes de classe: "Matar ou Morrer" (1952, às 22h), de Fred Zinnemann e, sobretudo, "Rio Vermelho" (1948, 23h40), de Howard Hawks.
Reuters | ||
Matt Damon e Franka Potente em cena de "A Identidade Bourne" |
TERÇA-FEIRA (28).
Quem já não teve seu "Dia de Fúria" (TCM, 22h) pode atirar a primeira pedra no filme de Joel Schumacher.
Não será fácil encontrar alguém: é das dificuldades, insatisfações, despautérios e dores da vida numa metrópole que o filme fala. Coisas simples: por exemplo, ficar preso num congestionamento quando você precisa chegar com urgência à festinha da sua filha.
Convém não imitar a resposta de Michael Douglas aos problemas que o atingem. Além do mais, quando o filme foi feito (1993), não havia como criar um grupo de, digamos, furiosos on-line. Tinha que ser no muque.
Fúria que seria justificável no caso das jovens de "A Maçã" (1998, TV Brasil, 23h), de Samira Makhmalbaf. A filha de Mohsen Makhmalbaf, diga-se, estreou muito bem ao tratar das moças impedidas de sair de casa por 12 anos, até serem liberadas por assistentes sociais. Estamos no Irã: falando de um tipo de prisão, fala-se também de outro.
QUARTA-FEIRA (29)
Não será difícil ao espectador encontrar o elo entre "Bastardos Inglórios" e "Os Doze Condenados" (1967, TCM, 14h30).
Neste último, dirigido por Robert Aldrich, um grupo de renegados da pátria, condenados por corte marcial e tudo, são convocados para uma missão suicida. Se escaparem, livram-se da pena.
Não será fácil, em todo caso. Estamos na Segunda Guerra e da missão faz parte eliminar uns tantos e bem protegidos chefes nazistas.
Esse foi um dos grandes sucessos de Aldrich, à frente de um elenco de ases, com Lee Marvin à frente. Mesmo se considerarmos que este é um filme de tocada mais comercial, sempre será preciso levar em conta que Aldrich não trai a si mesmo: está no território em que a hostilidade ao poder é bem presente.
Mais exibido nos últimos tempos, mas sempre a propósito é "Crepúsculo dos Deuses" (1950, TC Cult, 22h), de Billy Wilder.
QUINTA-FEIRA (30)
Na irregular produção do iraniano Mohsen Makhmalbaf, "Gabbeh" (1996, TV Brasil, 23h) destaca-se pela força com que nos consegue aproximar da produção de tapetes persas (de que os gabbeh são um tipo famoso).
Ou antes: no tapete temos, primeiro, uma série de imagens que pouco significam para o espectador. Aos poucos, porém, o filme nos informa sobre a história de amor ali narrada, que o motivou e que de certa forma está lá e o mantém vivo, digamos assim.
Essa maneira original de narrar uma história a partir da superfície do tapete, ao mesmo tempo em que se tece o próprio tapete, como se um refletisse no outro continuamente faz boa parte do encanto deste filme.
Em outro registro, o brilhante "Os Vampiros de John Carpenter" (1998, TCM, 22h) dá conta de onde o gênero terror nos leva quando sabe mobilizar o imaginário do espectador.
SEXTA-FEIRA (31)
Com Abbas Kiarostami entramos no domínio dos grandes criadores contemporâneos. Inventor de um cinema sempre presente, é de suicídio, que tratará, em princípio, no seu "Gosto de Cereja" (1997, TV Brasil, 23h).
O tema poderia, no entanto, ser o amor entre dois jovens, ou o sentido de responsabilidade de duas crianças... Aqui há um homem, Badii, que procura alguém disposto a ajudá-lo a suicidar-se, sendo que o suicídio, nessa sociedade, é uma abominação.
O assunto será levantado durante as conversas entre Badii e as pessoas a quem dá carona e com quem conversa em seu carro. Conversas que Abbas filma assim: quando é o carona que aparece, quem está fazendo as perguntas ao lado dele é, na verdade, o cineasta. Quando Badii está em cena, quem dialoga pelo carona é o cineasta.
Assim ele consegue deixar que o improviso ganhe livre curso, sem perder o controle sobre ele. O resultado é notável.
Divulgação | ||
ORG XMIT: 382601_1.tif Cinema: Cena da animação da Disney/Pixar "Ratatouille", do diretor Brad Bird. (Foto Divulgação) |
SÁBADO (1º)
Às vezes Hollywood faz descobertas impressionantes, e disso "Ratatouille" (2007, TC Fun, 19h50) é um bom exemplo. A tendência atual, de a culinária se transformar na grande arte pop, naquele momento apenas se insinuava.
Hoje já não se fala do filme que vimos, nem do novo disco de Gil ou Caetano... Fala-se do restaurante, do chef, da harmonização... Isso é o que se partilha. Mas, a rigor, "Ratatouille" atravessa a cozinha para chegar a seu verdadeiro assunto: a exclusão.
Temos aqui um ratinho com enorme talento culinário. É fato que, por alguma razão, os americanos adoram ratos desde pelo menos Mickey Mouse. Mas um rato na cozinha...
E os autores do filme respondem: por que não? O nojo que causa não é equivalente a tantas outras repulsas que todos os dias se emitem, inocentemente ou não? Eis a questão do filme. Como de hábito, o cinema americano mais grave, hoje, é o feito para crianças.
DOMINGO (2)
É sempre um prazer e um aprendizado de cinema voltar a "Operação França" (1972, TC Cult, 22h), seja pela ambientação, pela fotografia seca, pela força que se percebe a cada plano da direção de William Friedkin.
Ali estão Popeye Doyle (Gene Hackman) e seu rival, Alain Charnier (Fernando Rey). O primeiro, impulsivo, descontrolado por vezes. Note-se essa obra-prima que é seu chapéu: basta olhá-lo para ver um homem meio simplório. O segundo, grande traficante, friamente perverso, chique, sofisticado.
O argumento tem um quê convencional, é verdade. Mas o filme aos poucos desvia-se, em parte pela caracterização desses dois inimigos: eles são como que o positivo e o negativo de uma situação. Conhecem-se muito bem, porque são como gêmeos.
Inútil falar da sequência de perseguição - antológica. Mas vale mencionar o trabalho de Owen Roizman, fotógrafo sempre a serviço dos filmes que faz.
Livraria da Folha
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