'Moda de A a Z' destrincha obras de Zuzu Angel e Haider Ackermann
"Quem ousaria não defini-los como artistas?"
A pergunta é exposta no texto introdutório do primeiro volume da coleção Moda de A a Z, que a Folha lança a partir deste domingo (23). Pois o questionamento paira sobre cada verbete que destrincha a obra de nomes consagrados da moda mundial.
O texto da jornalista italiana Arianna Piazza cita o britânico Alexander McQueen, morto em 2010, aos 40, para provar o valor artístico na moda –que, antes de se atrelar a obrigações comerciais, pode ser a expressão do olhar de um artista (o estilista).
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Desfile de outono-inverno de 2012-2013 do colombiano Haider Ackermann |
Todos os nove designers descritos neste primeiro volume da coleção –serão 24 lançados até 31 de janeiro de 2016, aos domingos– imprimiram inquestionável teor artístico em suas roupas.
Alguns deles construíram impérios por meio de reedições de uma única peça –como o italiano Giorgio Armani, que se tornaria o estilista mais rico do mundo ao desconstruir o paletó para que ele fosse usado tanto por mulheres quanto por homens. Mas o livro defende que não é possível resumir a moda à funcionalidade da roupa.
De Haider Ackermann, colombiano que bebe da fonte do escultor Alberto Giacometti para criar experimentos de drapeados numa silhueta alongada, ao pernambucano Walério Araújo, mestre na arte de criar roupas exuberantes para mulheres exuberantes transitarem em festas carnavalescas. Esses sobrenomes iniciados com "a" têm em comum a capacidade de modelar corpos e imprimir histórias na pele.
O verbete destinado a explicar a obra da mineira Zuzu Angel (1921-1976), por exemplo, toca num dos temas mais sensíveis da história brasileira, a ditadura militar.
No desfile-protesto que Angel realizou em Nova York, em 1971, quase uma década após conquistar notoriedade no círculo de cariocas endinheiradas, um vestido com desenhos pueris de soldados, anjos e armas de guerra chamava a atenção do mundo para a repressão no país natal.
Em busca do corpo de seu filho, Stuart Angel Jones, membro da organização de esquerda MR-8 e morto pela ditadura, Angel criou roupas que lembravam mortalhas e produziu um dos primeiros desfiles de cunho político de que se tem notícia.
MANUFATURA
"Ela também quebrou o estigma de que mulheres não poderiam criar moda e apenas pedalar a máquina de costura. Naquela época, mulher não era estilista, era costureira. Depois, foi comprovado que os grandes nomes da moda eram aqueles que sabiam costurar, como Cristóbal Balenciaga [1895-1972]", afirma a jornalista Hildegard Angel, filha de Zuzu.
O contexto da manufatura da roupa é tema relevante desse primeiro volume da coleção Moda de A a Z e reforça a tese de que o processo da criação de moda envolve esforço intelectual tal como o aplicado numa pintura ou numa música. Os pincéis e os instrumentos, nesse caso, são os tecidos.
O glossário que acompanha o livro serve de apoio para o leitor entender o sistema complexo que envolve a criação de moda.
Saber que o jacquard (tipo de tecido com desenhos sobrepostos) se origina do tear inventado pelo francês J.M. Jacquard (1752-1834) –e que comanda mais de 1.344 fios– é crucial para, por exemplo, explicar o sucesso comercial dos empresários de moda.
Com a invenção, afinal, eles não precisavam mais depender dos teares liços e sua capacidade limitada de confeccionar tecidos com apenas 24 fios.
Decodificar o funcionamento do matelassê, o tecido acolchoado imortalizado em bolsas de Coco Chanel, ou do poliéster, fibra sintética que permitiu a lavagem na máquina, faz desses volumes da coleção uma chave para compreender a evolução da moda –e, por que não, da arte.
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